quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Código florestal democrático

Novo Código Florestal – Com Participação de Todos
A fixação do prazo de até 11 de dezembro de 2009, para que todos os proprietários de terra averbem suas reservas legais, sob ameaças de pesadas multas, motivou reclamações de agricultores, em todo o país. O governo, para amenizar as críticas, enviou ao Congresso Nacional, uma mensagem, instituindo a Política Nacional de Serviços Ambientais e o Programa de Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, diferenciando à luz da legislação ambiental a agricultura familiar, que assim terá prazos estendidos entre outras vantagens.
Em virtude das ações do governo, mobilizou-se a bancada ruralista, na Câmara Federal, pela criação da Comissão Especial do Código Ambiental, para examinar todas as proposituras sobre o assunto, a partir do velho Código Florestal, em vigência, desde 1965, aceito e defendido por ambientalistas, mas contestado por ruralistas e questionado, por setores, que defendem avanços da política ambiental brasileira. Dele deriva vários instrumentos de gestão sobre meio ambiente, como Reserva Legal (RL), Área de Preservação Permanente (APP) e outros, assim como uma dezena de leis, que motivam polêmicas e conflitos entre proprietários rurais e de áreas urbanas, ambientalistas e o poder público.
O assunto é importante e possui forte componente ideológico, envolvendo segmentos que se opõe, com muito radicalismo. Porém, respeitando a opinião de todos, que desejam participar deste debate nacional, gostaria de fazer algumas considerações, tendo em vista o princípio democrático. No centro da discussão está o tema como praticar agricultura, com sustentabilidade, diante da preocupante demanda já existente por alimentos em quantidades e em condições de acessibilidade, para atender a todos que tem fome, sob políticas e legislações, que reduziriam sem justa razão áreas produtivas e criariam embaraços ao processo produtivo. Outras questões não menos importantes a esta se somam, como a da subtração crescente de extensas áreas da produção de alimentos, para a produção de biocombustíveis. A dependência da produtividade agrícola a enormes quantidades de fertilizantes, elevando os custos da produção. A crescente demanda por alimentos, em nações de economias emergentes, com grandes contingentes populacionais, como China, Índia e outras. A queda dos estoques mundiais de grãos, ora em níveis muito baixos e com certa dificuldade para sua elevação, devido a fatores, como esgotamento das áreas de expansão agrícola, baixos investimentos e outras, que afetam as nações produtoras. Deve ser levado em conta o comprometimento de biomas e degradação de ecossistemas, que já condicionam baixa produtividade da agricultura. Estas e outras questões, como as de natureza climática, portanto, imponderáveis, evidenciam que a ameaça alimentar é real e, por isso, já é causa de preocupação aos organismos mundiais.
As respostas, no caso brasileiro, precisam ser encontradas, através de discussão profunda e democrática deste relevante assunto, envolvendo todos os segmentos, que possuam relação com o mesmo, em especial, o da pesquisa agropecuária, para que com base em conhecimentos técnico-científicos comprovados o país possa ter uma legislação ambiental, bem fundamentada, que sirva aos elevados interesses desta e das futuras gerações.
A Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), por meio da divisão - Cerrados, lança luz sobre o assunto, ao abordar um dos pontos mais sensíveis desta discussão: é possível utilizar até as atuais APPs, para o processo produtivo, inclusive, podendo-se recuperá-las, através de sistemas temporários agro-florestais multiestratificados, quando estas forem consideradas degradadas. Assim, além de atender aos critérios ambientais, contempla os anseios de desenvolvimento, principalmente, da agricultura familiar.
As reservas florestais, em virtude da dimensão da matriz agrária na região Centro-Sul do país, são diminutas e de pouca importância para a biodiversidade, que exigiria ecossistemas e extensões maiores. Na maioria dos casos, são também mal localizadas, isoladas e dissociadas das APPs, longe dos cursos d´água e matas ciliares, não contribuindo para a conservação das áreas de maior fragilidade e importância ambiental. Seria racional incentivar um processo de relocação das mesmas, através de projetos técnicos, associando-as territorialmente às APPs, atendendo a propósitos produtivos sustentados e ambientais.
A inadequação do Código Florestal ao texto constitucional e sua inconsistência a luz dos conhecimentos técnicos e científicos atuais são fatores apontados por muitos, como razão de sua pouca credibilidade. È importante que o novo código trate os produtores rurais sem discriminação, contenha conceitos claros e legítimos sobre os bens ambientais e regras, que tenham coerência e sentido prático, para facilitar sua compreensão e conferir-lhe um caráter educativo. Ele terá que conciliar os elementos econômicos e sociais, preservando a dignidade do ser humano, que precisa produzir, de forma sustentável e atender aos anseios de progresso de sua família. As particularidades ambientais de estados e município devem ser por estes suplementarmente reguladas, mediante critérios estabelecidos pelo código. Muitos são os pontos que precisam ser melhorados e definidos. Há necessidade de melhor conceituar o que é bem ambiental comum, que não pode ser explorado para fins produtivos e de quem será o ônus da manutenção do mesmo. Parece ser consensual que estes precisam ser preservados, pois importam também a população urbana, que representa 83% dos beneficiados, mas que nada paga pelos serviços recebidos. Pelo princípio do usuário-pagador legalmente aceito o ônus da preservação deve ser assumido por todos, pois o benefício representa garantia da continuidade da vida, para todos, no planeta.
É forçoso concordar que não há código florestal, nem política ambiental avançada, que resistam ao consumismo desregrado, que gera poluição, esgotamento dos recursos naturais e, principalmente degradação do meio ambiente. Embora combater o consumismo possa estar na contramão do modelo de desenvolvimento adotado no momento, a humanidade precisa levar em conta o desafio de reeducar-se para a vida, com mudança de hábitos e adoção de um modo de viver mais simples. O ecologicamente correto deve ser discutido e exercitado no lar e nas escolas, com a adesão dos jovens e a conscientização da cada indivíduo.
A preservação do meio ambiente é uma atividade vital para a humanidade, sem a qual não haverá adequada oferta de alimentos, qualidade de vida, nem futuro para o ser humano. A recuperação do meio ambiente é uma atividade de alto custo, que requer planejamento, tempo e muito esforço, para sua consecução. Portanto, a questão ambiental é um grande desafio. Parafraseando o presidente Lula, todos têm direito de receber pelo menos três refeições diárias. Para isso é dever do poder público aparelhar-se não só para fiscalizar com rigor, mas para conscientizar, educar, pela preservação, além de oferecer apoio técnico e financeiro, quando a recuperação se fizer necessária. No enfrentamento de um problema de tamanha magnitude, importância e complexidade será preciso participação de todos, a partir da elaboração de um consistente Código Ambiental, para alcance dos melhores resultados.
Ângelo Rosa Ribeiro é médico veterinário, ex-deputado, ex-secretário estadual de agricultura e ex-secretário estadual de planejamento.