terça-feira, 27 de julho de 2010

Quirinópolis: O amigo João Domingos

 
As preocupações do João Domingos

O senhor João Domingos da Silva era uma figura muito conhecida e admirada em Quirinópolis, pela sua lucidez e pelo gosto e capacidade de polemizar assuntos da política. Militante do PMDB, foi por longos anos membro do diretório local do partido e por esta sigla se tornou vereador. Era proprietário de um pequeno sítio, nas imediações do rio das Pedras. Após reunir algumas economias passou a emprestar dinheiro para seus amigos, sem se caracterizar em um agiota, pois suas taxas eram bastante aceitáveis.
Findas as eleições municipais do ano 1996, quando disputei a eleição para a prefeitura de Quirinópolis, deparei-me com uma enorme dívida. Diante de uma necessidade premente de assistência financeira, devido a compromissos assumidos com cabos eleitorais e fornecedores para a campanha, fui bater na casa do amigo João Domingos. Expus a ele a situação e pedi emprestado uma considerável importância em dinheiro, que sem pensar atendeu. Entretanto, começou a correr na cidade um forte boato, por parte dos meus adversários, que diante de tantas dívidas de campanha eu teria que fugir, sem pagar compromissos assumidos. Esta notícia foi parar nos ouvidos do amigo João, que logo começou a passar com seu conhecido Ford Corcel, várias vezes por dia, durante vários dias, diante de minha residência. Parecia procurar por alguma coisa, mas não parava, só observava, com um olhar de preocupação. Em uma de suas passagens resolvi interceptá-lo, para perguntar:
    - João, pare aí, tudo bem com você?
    - Tudo bem, respondeu.
    Entretanto, após uma pequena pausa, comentou, com palavras pronunciadas de forma rápida, meio enroladas, como era do seu estilo.
    - Não é pelo dinheiro, que eu te arrumei, mas pelos desaforos que a gente ouve. Não estou preocupado, mas o que estão falando por aí, não tem cabimento.
    - O que você ouviu, João?
    - Não, isso eu não vou falar. Mas, estou indignado. Muito indignado. Depois, quando você me pagar, quando der certo, eu preciso te levar na casa de uns por aí, para puxar suas línguas. Não pode as pessoas serem tão más, tão faladeiras. Sem explicar devidamente o que falavam de mim.
Era natural que o João estivesse assustado. Ele não conhecia o montante da minha dívida no momento do empréstimo, mas logo deduziu que podia não ser pequeno, como de fato não era. Passados uns dois meses o procurei para devolver-lhe o capital emprestado. Notei grande alívio de sua parte e não falou mais no assunto que o intranquilizava. Quanto aos juros do empréstimo, combinamos que pagaria com duas vacas, que deveria buscar no meu sítio. Sempre o lembrava, que as mesmas estavam a sua disposição, mas nunca quis buscá-las. O João Domingos veio a falecer, em 2008. Era um grande amigo de meu pai e se tornou meu amigo. Nutro por ele boas lembranças e sou grato por aquele grande favor recebido.

Ângelo Rosa Ribeiro – ex-deputado e ex-secretário estadual de agricultura e de planejamento.


Quirinópolis - Lembranças do Tio Antônio Estevam

         Tio Antônio Estevam (à dir.), em 1995, ao receber homenagem na Câmara Municipal de Quirinópolis (GO), sob aplausos do deputado federal Iturival Nascimento, do senador Lázaro Barbosa e do público ali presente.

Um pioneiro espirituoso e benfeitor

      " Filho de pioneiros, desde jovem se tornou conhecido pela disposição em servir, gosto por festas, amor a viola e a catira, bem como, pela afinidade por um gole da boa cachaça... Vivia rodeado de admiradores, que se divertiam, fazendo-lhe perguntas provocadoras para prospectar respostas sábias e instantâneas, pérolas de sua imaginação crítica e fértil."
           
         Tio Antônio era a forma carinhosa com que a população se referia a Antônio Estevam de Oliveira, uma figura folclórica e legendária da  história de Quirinópolis, que nasceu na região do Córrego da Pedra Lisa, por volta de 1880, antes mesmo do surgir do povoado da Capelinha e viveu até o ano de 1983, quando veio a falecer, aos 103 anos.   Assim, pudera participar de todas as etapas de desenvolvimento do município. Filho de pioneiros, desde jovem se tornou conhecido pela disposição em servir, gosto por festas, amor a viola e a catira, bem como, pela afinidade por um gole da boa caninha. Era caipira por origem, mas dono de incomparável espirituosidade e tinha o dom de responder a tudo que lhe era perguntado, com rapidez de raciocínio, humor e sabedoria.



        Possuía um estilo próprio, goiano agauchado, com longos bigodes e traje 'sui genere': lenço atado no pescoço, um guampo a tiracolo, guaiaca na cintura, bombachas e inseparável par de botas. Andava sempre bem vestido. Por onde passava reunia admiradores com a intenção de prospectar respostas inteligentes e engraçadas, ou seja, surpresas que surgiam de sua imaginação crítica e fértil, com as quais seus fãs se  divertiam. Nas festas ia para fazer o seu show particular e diferenciado. Ao som da viola e na batida de sua dança preferida, a catira, que praticava com um grupo de amigos bem treinados, ele cantava e contava seus sentimentos e suas vitórias. De  espírito alerta, quando provocado, sabia, como ninguém, usar da sutileza crítica ou da irreverência deseducada,  para dar respostas atrevidas, recheadas de humor. Por isso vivia rodeado de admiradores, que se divertiam, fazendo-lhe perguntas provocadoras, para prospectar respostas sábias e instantâneas, pérolas de sua imaginação crítica e fértil. 


       Não havia no seu tempo alguém na região que não o conhecesse. Experiente carreiro, usou as trilhas abertas pelos poucos moradores da época para chegar até Santa Rita do Paranaíba, hoje Itumbiara, ou até Uberabinha, hoje Uberlândia, para levar excedentes da agricultura praticada à época e trocar por insumos indispensáveis para a vida dos pioneiros.  No retorno trazia encomendas, como querosene para a iluminação; sal, para condimentar a alimentação humana e para amansar o gado bravio, que se escondia nas matas, e diversas encomendas dos amigos.  Com suas juntas de bois curraleiros e seu carro em madeira da melhor qualidade  gostava de transportar materiais para construções de pontes e outras benfeitorias. Com sua solicitude deu grande contribuição ao desenvolvimento do município.
  
          Tornou-se amigo do Coronel Jacinto, grande benfeitor de Quirinópolis. Juntos construíram a cadeia, casa de policiais e diversas benfeitorias públicas na preparação do distrito de Quirinópolis para sua emancipação. Em ajuda ao seu amigo prefeito Hélio Leão disponibilizava suas juntas de bois para conduzir, sobre um couro bovino transformado em esteira, cascalho, terra, pedras para realizar aterramentos e tapar buracos na conservação da primeira rodovia aberta entre Quirinópolis e a vizinha Mateira, hoje Paranaiguara. Estava sempre decidido a colaborar com uma causa meritória, sobretudo quando se tratava de obras de interesse da comunidade. Ao contribuir de forma significativa em favor da emancipação do município o tio Antônio se tornou, um dos principais colaboradores do coronel Jacinto, portanto uma figura de destaque, um benfeitor de Quirinópolis.  


A viola, presente do Governador

   O ex-governador Mauro Borges, que era um amante da catira, quando da inauguração da sede do Colégio Pedro Ludovico, ficou impressionado com aquela figura que com um grupo de amigos se exibia. Ao cumprimentá-lo,  prometeu-lhe uma viola. Ao ouvir a promessa, o Tio disse-lhe em seu modo peculiar de conversar - "Quer dizer que prometer o senhor não precisava, mas como promessa é dívida se a viola não chegar eu mesmo vou buscar", provocando risos aos presentes.


Algumas "perolas" de Tio Antônio

      Muitas foram as coisas divertidas ou curiosas que realmente aconteceram e  que passaram a fazer parte do anedotário dos quirinopolinos. Será sempre difícil reconstitui com fidelidade as pérolas da espirituosidade  do Tio Antônio Estêvam. Sem esta pretensão registro aqui alguns exemplares.

  
O desfrute da cadeia

            Certa vez, em época de eleição, após ter  tomado alguns goles de cachaça, Tio Antônio voltava para o bailão do seu PSD, quando tropeçou e caiu ao pular sobre uma tora de aroeira, que a polícia mantinha atravessada na rua, para evitar o tráfego de veículos, pois o povo, que ia chegando das fazendas, ali se concentrava. Ao se levantar, começou a discutir com os policiais ali presentes. "Quer dizer que aqui é um lugar para o povo passar. Vem senhoras, crianças e pessoas idosas, que vão tropeçar e se machucar, no dia da eleição. Quer dizer que essa peça não poderia ficar ai..." Os soldados, que não eram da cidade, evitavam o assunto. Como nestas ocasiões o Tio era atrevido, tanto falou, que acabou preso, por desacato, mesmo estando com certa razão. No outro dia, seus companheiros procuraram por ele, até que souberam de seu paradeiro. Ao chegar na cadeia, que ainda estava por inaugurar, o candidato a prefeito expressou sua surpresa ao dizer: "Tio Antônio, eu não sabia que o senhor estava aqui, porque não me avisou! O senhor é um patrimônio do município." Ao passar as mãos sobre os bigodes, respondeu: "Quer dizer que não tem com o que o senhor se preocupar. Escute: acabei de acordar, estou gozando do que fiz - a madeira desta casa veio da minha fazenda. Fui eu que doei e puxei com meus bois, com meu carro. Ajudei a construir e estou desfrutando. Não há o ditado de que tudo que a gente faz, para a gente mesmo um dia serve? Risos.

Deixa o café para outra hora


           Contam que, quando chegou o Banco do Brasil a Quirinópolis, o gerente foi visitá-lo e o convidou para ser seu cliente, pois já sabia que o velho era comprador de gado, sempre tinha algum dinheiro. Então, disse-lhe: "Seu Antônio, vim aqui pra lhe dizer, que estou no Banco do Brasil para lhe servir. Faça–me uma visita. Quero fazer muitos negócios com o senhor." Ao que o tio respondeu: "Nós fazemos. Quero dizer que hoje eu não estou de jeito, para fazer negócio com o senhor, mas quando tiver, eu vou." Algum tempo depois, o tio Antonio se apertou por causa de uma certa quantia e se lembrou da promessa do gerente. Ao chegar no banco, foi direto ao assunto: "Hoje eu vim, Doutor, pra continuar aquela conversa que nós tivemos, lá em casa. Estou precisando... " O gerente vendo a sua intenção, atalhou a conversa. "Pois é Tio Antonio, como eu lhe falei, quero que o senhor abra uma continha conosco. Venha tomar um café, que eu vou lhe explicar." O Tio Antônio espirituoso entendeu e foi ao seu modo: " Quero dizer que eu agradeço, Doutor. Pelo jeito, o que senhor está querendo é o mesmo que eu estou procurando. Então, vamos deixar o café pra outra hora." Risos.


Tem gente com mais sede


              Em um comício marcado para a zona rural não havia suficiente boa oferta de água de bebida. Um fila então se fez em volta de uma cisterna para o atendimento disponibilizado pelo Tio Antônio, que com seu guampo retirava o líquido do poço e servia aos sedentos. Foi aí que uma certa senhorita, que não tinha um copo para apanhar a água oferecida, ao tomar o guampo em suas mãos deu nele fortes sacudidas para lavá-lo e, com expressão de nojo no rosto, devolveu-o para nova operação de retirada da água do poço, quando foi surpreendida, pelo Tio Antônio, ao não lhe conceder nova dose do precioso líquido. Com a reação da moça, indignada, o tio disse: "Calma, Moça! Quero dizer que agora tem gente com mais sede". Risos.


A cobrança da promessa do Governador


               O tempo passava e a promessa da viola feita pelo governador Mauro Borges não se cumpria. Aos que lhe perguntavam pelo presente do governador, ele dizia que não estava preocupado. Até que certo dia resolveu ir à capital, falar com o chefe. Ao chegar na periferia da cidade o motorista perguntou: "Está gostando da vista da cidade, Tio?" Ao apontar para a região de prédios, à distância, disse: "Quero dizer que aqui é o cerradinho. Quero ver é aquele culturão, lá da frente."
            Ao chegar ao palácio, foi logo interceptado pela guarda, que não lhe deu permissão, para entrar. "O senhor está agendado," perguntou um assessor. "É preciso de uma ordem para falar", explicou. O Tio Antônio, na sua singeleza de homem da roça, disse para a guarda e aos vários curiosos que a tudo assistiam: " Quero dizer que eu vim de longe por causa da promessa que o governador me fez. Não precisa de outra ordem, porque nós somos homens de palavra. Falei para ele, que se demorasse em cumprir a promessa, eu vinha buscar." O ajudante de ordem então desconfiado disse que ia falar com o seu chefe. Ao tempo em que o Tio Antônio prosseguiu, em seu estilo espirituoso: "Quer dizer que vocês ficam aqui, que nem cachorro, a vigiar o terreiro, para ninguém chegar perto do dono?" Risos. Foi aí que chegou um novo assessor, para tomar o nome do visitante e levá-lo ao governador, a quem disse que se trava de um homem com estilo de gaúcho, com uma roupa típica do sulino e que dizia ser seu amigo de Quirinópolis. Ao que Mauro Borges, disse: "E ele é meu amigo mesmo, traga-o que tenho um presente para lhe entregar." Ao receber a viola prometida, com dedicatória gravada na madeira, o Tio Antônio disse: "Quer dizer que vim porque sabia que o senhor, como filho do Dr Pedro, era um homem cumpridor da palavra. Estou muito satisfeito" . Amante da catira, o governador ainda ensaiou umas batidas de pés com o tio Antonio. Ao deixar o palácio exibiu o presente aos assessores ali presentes. Na madeira estava gravado: "Ao companheiro Antonio Estevam, com a amizade do Mauro Borges". Aí ele provocou: "Então podem limpar a baba!" e arrematou na despedida - "Quer dizer que vocês não queriam, mais fui bem recebido pelo chefe." Risos.

 Esconda o bicho


            Noutra oportunidade, após tomar o lotado ônibus que vinha da Mateira, havia certa demora na saída do veículo, por uma longa discussão entre o cobrador e uma senhora, que trazia nas mãos um pequeno frango dependurado. O cobrador disse que já havia avisado que era proibido carregar aves ou  animais naquele veículo. A passageira não consegui entrar com seu bicho. Ao seu companheiro de viagem o Tio Antônio sapecou: "A dona não agasalhou o pinto. Quero dizer que aqui dentro muita gente conduz o seu, mas  tem que estar bem agasalhado, senão dá problema." Risos.



O negócio não era tão ruim


        Muitas são as histórias, que o povo conta de situações divertidas, que tinham ao centro o Tio Antônio Estêvam. Posso dar o meu testemunho.


Estava casado a pouco, quando convidei o senhor Gabriel Mangava, meu sogro, para almoçar conosco no sítio, ocasião em que lhe mostraria alguns bezerros e lhe proporia que me comprasse os mesmos. Como tinha sobra de pastagem, ele poderia deixá-los para partir o lucro, quando de sua venda, após a engorda.
Depois de lhe mostrar os bezerros, estávamos no curral, quando chegou o Tio Antônio, montado em seu cavalinho. Foi para nós uma surpresa, por causa de sua avançada idade. Ao cumprimentá-lo, disse-lhe que ficasse à vontade, enquanto terminava o negócio. Achei que ele veio também para olhar os bezerros, porque era comprador. Por ali ele ficou, até que resolvi lhe contar que pretendia vender aqueles bezerros, para meu sogro, mas estava difícil realizar o negócio, porque eu pedia 8.500,00 cruzeiros por cabeça e ele só queria me pagar 8000,00.  
Então perguntei ao Tio: Este negócio não é bom, o preço do bezerro está baixo, o que o senhor acha? Ele passou a mão sobre o bigode, como era de costume e ficou calado. Voltei a insistir: pode falar tio Antônio. Ao que ele então disse: "Quero dizer, que não é do meu costume dar palpite em negócio alheio." Então expliquei: não, tio, só queremos ouvir sua opinião. Pode falar como comprador mesmo. Tio Antônio, então disse: " Você insiste, vou falar. Eu não compreendi bem, mas parece que estes bezerros são filhos do gado dele, que veio de herança. Foram criados nos pastos da sua fazenda, que veio de herança. Ele quer pagar 8.000 dos 8.500 que você pede e ainda vai deixar a mercadoria para partir lucro, não é? Então, o negócio é muito bom. O que você acha?" Risos.


Ângelo Rosa Ribeiro foi professor da EV-UFG, atual assessor técnico da SEGPLAN, ex-secretário estadual de agricultura e abastecimento e  ex-secretário estadual de planejamento.





sábado, 24 de julho de 2010

O Sudoeste Goiano em Tom Maior

Editorias / Opinião/Diário da Manhã/
19 de Junho de 2010
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O Sudoeste Goiano em Tom Maior
A história da região Sudoeste difere das demais regiões goianas, pela forma independente com que alavancou seu desenvolvimento. A região cresceu isolada do contexto da Província, que saiu de um ciclo de prosperidade - o Ciclo do Ouro - e mergulhou em uma profunda crise econômica, que durou 100 anos. Nesta época ocorreu a ocupação do Sudoeste Goiano, que se desenvolveu sustentado pela criação de gado e pela oportunidade de sua comercialização nas regiões de origem dos produtores, as vizinhas Triângulo Mineiro e Oeste de São Paulo, bem mais desenvolvidas. O Sudoeste Goiano cresceu com a acumulação de capital sob poder de grandes proprietários rurais, o que fez surgir poderosos coronéis, como Antônio Rodrigues Pereira e Jacinto Honório da Silva, na região do Distrito de Quirinópolis, em Rio Verde, que movimentavam a economia da região, comprando gado de pequenos criadores, inclusive em terras mato-grossenses. Em 1918, sob o patrocínio da iniciativa privada, abriu-se a Autovia Sul-Goiana, a primeira de Goiás, ligando Santa Rita do Paranaíba, hoje Itumbiara, a Rio Verde, Jataí e Santa Rita do Araguaia, em iniciativa que valorizou e deu grande impulso ao Sudoeste. A ascensão de Pedro Ludovico Teixeira, ao governo de Goiás, uma liderança surgida nos movimentos políticos do Sudoeste, iniciou a aproximação da região ao contexto socioeconômico goiano.
A agricultura na região surgia como uma atividade auxiliar na formação de pastagens e na abertura de fronteiras para a pecuária de corte. Assim, tomou lugar as lavouras de arroz de sequeiro, cuja produção era comercializada, em Uberlândia, tida como capital econômica da região. Com a modernização da agropecuária e a conquista tecnológica dos cerrados, a partir da segunda metade do século passado, houve substituição da monocultura do arroz, até então dominante, pela pluriatividade agrícola, com grãos, oleaginosas e outras culturas, que logo se expressava em termos de seguidas superssafras. O Sudoeste Goiano tornou-se, então, polo de atração de projetos agroindustriais, que demandam grande quantidade de matérias primas, como grãos, frangos e suínos, o que tem levado a um uso intenso das terras de seus municípios.
A área ocupada pelo Sudoeste Goiano é de 61.498,032 mil hectares. Sua população é de 518.274 habitantes. A região é hoje a maior produtora estadual de soja, milho e sorgo. Sua produção de grãos atingiu 6,0 milhões toneladas, cerca de 45,0 % do total produzido pelo Estado. O rebanho bovino de 3,4 milhões de cabeças e a produção de leite de 400,0 milhões de litros, também são destaques no âmbito estadual. A região lidera a expansão da avicultura, suinocultura e da cana-de-açúcar em Goiás.
Pode-se afirmar que os municípios do Sudoeste formam um polo dinâmico da territorialização do agronegócio, em Goiás. Nele planta-se e colhe quase de tudo e em diferentes épocas do ano, devido às condições de solo e ao regime hídrico favorável.. A cana-de-açúcar é plantada em qualquer época, para atender a escala industrial. Na região de eixo Rio Verde-Jataí-Mineiros é possível realizar duas colheitas anuais, como ocorre nas safrinhas complementares de milho, sorgo granífero e milheto. A pecuária eleva sua produtividade, por meio de confinamentos. O padrão de desenvolvimento das atividades agrícolas e o inter-relacionamento das cadeias produtivas, como a da soja, cana-de-açúcar, milho, sorgo granífero, algodão, tomate, girassol, pecuária de leite e de corte, suínos e aves vem atraindo grandes investidores e promovendo o desenvolvimento de diversos complexos agroindustriais e de parcerias na forma de clusters, como os das cadeias produtivas de suínos e aves de Rio Verde e o sucroalcooleiro, em desenvolvimento, em Quirinópolis, para maximizar a eficiência dos empreendimentos da região.
Favorece o desempenho da produção agroindustrial, a existência de rodovias federais e estaduais, cortando o Sudoeste em direção aos grandes centros consumidores e aos principais portos do litoral, na região Centro-Sul. O potencial logístico inclui a Hidrovia Paranaíba-Paraná-Tietê e a Ferronorte. Os grandes grupos sucroalcooleiros da região investem na viabilização de um alcooduto, que servirá a todo a região produtora de etanol. Ainda deve ser ressaltado, como ponto forte em favor do desenvolvimento regional, a grande disponibilidade de mananciais hídricos para irrigação. O Sudoeste possui potencial para o desenvolvimento do turismo, como o de aventuras ou eco turismo, pela existência de grandes lagos, parques naturais, belas cachoeiras, águas termais, cavernas, com registros milenares da arte humana e, ainda o agroturismo, em propriedades e empreendimentos, que bem representam o alto desenvolvimento tecnológico da agropecuária regional. A existência de grandes lagos favorece a expansão da aquicultura. A região avança na produção de energia limpa e renovável, através da multiplicação de pequenas centrais hidrelétricas em diversos mananciais hídricos e da cogeração, pela queima do bagaço da cana-de-açúcar, que já propiciam suporte energético, para o seu desenvolvimento.
A implantação prevista da Ferrovia Norte Sul oportunizará o surgimento de uma nova logística de transportes, com integração rodovia-ferrovia-hidrovia, interligação dos portos do Atlântico, no litoral Leste e Norte do país, além de dar origem a novos polos industriais e complexos de logística, nas cidades em que instalará seus pátios de transbordo. Por tudo isso, espera-se ainda a elevação das intenções de investimentos privados, mormente em empreendimentos sucroalcooleiros, indústria de alimentos, serviços, que conforme levantamentos da Sepin/Seplan chegam aos 5,3 bilhões de reais, até 2013..
O Sudoeste Goiano pode se desenvolver ainda mais sua pujante economia, através da superação de alguns entraves existentes, como infraestrutura e logística de transportes e armazenamento da produção agrícola, para alcançar a máxima produtividade, sem abrir novas áreas de cerrado e sem agressões ao meio ambiente. Espera-se maior apoio à universidade, entidades oficiais de proteção ao meio ambiente, organizações não governamentais, para conscientização e acompanhamento das atividades produtivas, com vista a garantia de sustentabilidade, preservando o bioma e o meio ambiente, para as futuras gerações. Do mesmo modo, espera-se que a população residente possa usufruir deste desenvolvimento, com oferta de mais empregos, disponibilidade de mais vagas para a capacitação profissional, maior remuneração do trabalho, melhor qualidade de vida e oportunidades para todos.
Ângelo Rosa Ribeiro é ex-deputado e ex-secretário estadual de Agricultura e de Planejamento