quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Gouvelândia - emancipação, história


---------- Mensagem encaminhada ----------
De: angelo rosa ribeiro ribeiro <horadoangelo@gmail.com>
Data: 20 de janeiro de 2011 20:10



A emancipação de Gouvelândia


        Gouvelândia surgiu sob os auspícios do pioneiro João Oliveira Gouveia,  que nas margens do Rio Paranaíba, em 1950, comprou uma fazenda e se fixou com sua família para a criação de gado e implantação de lavouras. No ano seguinte, com o propósito de facilitar o acesso ao Triângulo Mineiro, em parceria com Lupércio Veludo, colocou em operação a primeira balsa, dando início ao que mais tarde viria ser Porto Novo ou Porto do Gouveinha. 


          Por iniciativa do próprio João Oliveira Gouveia (Gouveinha), agora em parceria com Antonio Franco Barbosa (Totonho Franco), Conceição Martins Franco e outros fundaram, em 1954, a Navegação Minas Gerais S/A, com a finalidade de explorar o crescente intercâmbio comercial entre Quirinópolis, Ipiaçu e Ituiutaba. Um povoado começou a surgir com a construção de casas para os empregados da empresa de navegação. Em 1955, chegou Valter José da Silva (Santinho), o primeiro farmacêutico prático do lugar. Em 1956, chegou Raulira Alcântara Puccineli, a primeira agente de saúde.

     O povoado assim se desenvolveu. Totonho Franco foi eleito vereador à Câmara Municipal de Quirinópolis. Em 24 de agosto de 1963, com os esforços do próprio Gouveinha e a iniciativa parlamentar do seu vereador, foi criado o Distrito de Gouvelândia e sua instalação se deu em 24 de março de 1964.

A mudança da sede 

        Devido à construção da Hidrelétrica de São Simão, o distrito teve vida curta. Sua sede seria inundada pelas águas do lago em construção. Entretanto, na área destinada ao distrito estava se desenvolvendo o povoado de Setenópolis, sob a liderança do comerciante Mamede Malaquias da Silva, nas margens da estrada que liga Quirinópolis ao município de Itumbiara, na região das Sete Lagoas, de onde veio seu nome. Então, houve entendimento entre lideranças do povoado e do distrito que se fazia representar por José Nascimento Januário e, assim, em 09/09/76, o prefeito Nerivaldo Costa sancionou a lei que transferia a sede distrital para o povoado, que recebeu a designação de Gouvelândia. Em 25 de abril de 1976, a prefeitura de Quirinópolis celebrou um contrato com as Centrais Elétricas de Minas Gerais - CEMIG, para construção de 100 casas populares, com o objetivo de abrigar os novos moradores da cidade. Em 16/04/77, foi instalada a nova sede de Gouvelândia. A mudança ocorrida possibilitou rápido desenvolvimento da comunidade, que sob a administração do prefeito Onício Resende e do subprefeito José Nascimento Januário se transformou em uma progressista cidade, com ruas asfaltadas, terminal rodoviário, posto telefônico, escolas de 1º e 2ª graus, creche e uma população de quase 5.000 habitantes.

A contribuição de José Pantola

         A mudança de José Gervásio Mamede, uma grande liderança de Quirinópolis, para o distrito tinha propiciado as condições políticas para a realização de novos investimentos na comunidade. Aos poucos José Pantola, como era chamado, foi se firmando como líder político local. Com seu empenho, várias obras foram realizadas na administração do prefeito Sodino Vieira, eleito em 1982, auxiliado pelos subprefeitos João Conceição e Nadir Fonseca, quais sejam, o asfaltamento das principais vias públicas, construção da creche e do posto telefônico



A conquista da emancipação


    O deputado estadual Ângelo Rosa Ribeiro representava os moradores de Gouvelândia, na Assembléia Legislativa. Tinha vínculos fortes com o distrito, onde  residiam numerosos parentes e amigos seus, além do vereador Aldo Rosa Ribeiro, seu irmão. Havia grande apreço do governador Íris Rezende e de seu sucessor Henrique Santillo por José Pantola, o que facilitou a missão do deputado para viabilizar benefícios como o de um moderno graneleiro para atender a crescente expansão da agricultura local, a ampliação do sistema de abastecimento de água para servir a toda cidade. Por intermédio do deputado também se viabilizou-se o asfaltamento da rodovia GO – 206, que no governo de Iris chegou  ao povoado de Almerindonópolis e com Santillo teve sequência, chegando a Gouvelândia e Quirinópolis.

        Agora havia chegado o momento da emancipação. O deputado Ângelo Rosa tinha apoio do governador e de 2/3 dos deputados estaduais. O governador Henrique Santillo queria a emancipação para agradar seu amigo José Pantola. A idéia então ganhou as ruas em Gouvelândia e em Quirinópolis, onde, obviamente, havia alguma restrição.


       O povo acreditou que a emancipação seria possível e preencheu enorme lista a pedido do deputado Ângelo Rosa para compor a propositura 
 pela  instalação do processo de criação do novo município de Gouvelândia. Foram colhidas mais de 1.000 assinaturas, suficientes para tornar o projeto irreversível.

       Com a iniciativa houve uma mudança de comportamento da população, que deixou de lado o partidarismo. As lideranças ligadas à oposição local, ao perceberem a nossa disposição e cientes de que a emancipação não tardaria, demonstraram que queriam colaborar, através de oportuno gesto, ao também coletar assinaturas que entregaram ao Deputado Nerivaldo Costa, dando mais força ao movimento pela emancipação.

      Em 18/10/87 foi criada a Comissão Pró-Emancipação de Gouvelândia, que ficou assim constituída: presidente - Nadir Domingues Fonseca, vice-presidente - Antonio Buranelo, secretário - Nivaldo Alves Moura, tesoureiro - Jesuíno Vieira Lopes e os seguintes membros: Mamede Malaquias da Silva, Kairon Neves de Freitas, Sebastião Ivomir Dias da Silva, Liocádio Vieira de Moraes, João Pedrosa Fagundes, João Oliveira Gouveia Neto, Jordair Rodrigues Goulart e Carlos Pereira Ramos.


        Com a aprovação legislativa, a justiça eleitoral marcou para  15/11/87 a realização do plebiscito. O resultado foi o esperado: a quase unanimidade dos votos. Em 30/12/87, o governador Henrique Antônio Santillo cumpria promessa ao sancionar a lei que criava o município de Gouvelândia. Estava cumprida a missão política e concluída a mais importante fase da história da promissora comunidade - a da sonhada independência. Daquele momento em diante poderiam  decidir sobre o futuro, ao se proclamarem orgulhosamente cidadãos gouvelandenses! 


         Deve-se ressaltar o esforço empreendido pelo saudoso José Carvalho de Gouveia, um dos filhos do Gouveinha, que investiu de corpo e alma na idéia, tornando-se um baluarte do movimento. José Gervásio Mamede foi o grande líder da emancipação. Mas muito contribuíram como Mamede Malaquias da Silva, Nadir Domingues da Fonseca, Washington Andrade da Silva, Jordair Rodrigues Goulart, José do Nascimento Januário, Jesuíno Vieira Lopes, Jadyr Montes Ferreira, Dalvo Antonio Carvalho Gouveia, Ademar Macedo dos Santos Júnior, Aldo Rosa Ribeiro, Wilmar de Assis Mendes, Osvaldo Rosa de Oliveira, Manoel Ferreira de Lima, Nivaldo Alves de Moura, João Batista da Fonseca, José Aldo Moreira, Moacir Alves da Silva, José Jorge Pimenta, Silvio Antonio Pereira, Izoldino José Soares, Orlando Rosa de Oliveira, Joaquim Pedro Aguiar, José Martins Ribeiro, Marcélio de Faria, Manoel Dantas de Araújo, Joana Carvalho de Jesus, Vital Pereira de Araújo, Nadir de Freitas Pimenta, Osvaldo de Carvalho, Gari Moreira da Silva, Areno Rosa Ribeiro, Jesuíno Vieira Lopes Júnior, Otenásio Resende da Silva, Lídia Maria Borges, Valda Campos Gervásio, Longuinho Machado Borges, Manoel Dantas de Araújo, Geovani Alexandre da Costa, Laerte José Rodrigues, Wanderley Malaquias da Silva, Divino Aparecido do Prado, Ironídio Alves Monteiro, Maria Suiene Oliveira Vieira, Elismar Dias Gouveia e Adaece Inocêncio de Queiroz, entre outros.

Outras conquistas

       Em dois mandatos de deputado, Ângelo Rosa ajudou Gouvelândia ao viabilizar junto ao governo estadual os seguintes benefícios: construção de um graneleiro com cobertura metálica, para 25.000 toneladas; construção do Hospital Municipal; doação de 10.000 metros quadrados de asfalto urbano; ampliação do sistema de abastecimento de água, para toda a cidade; instalação do escritório da Saneago, emancipação Política do Município; construção de um moderno ginásio de esportes; asfaltamento da rodovia para Cachoeira Dourada; asfaltamento da rodovia para Quirinópolis; instalação da agência do Banco do Estado de Goiás- BEG; abertura da Agenfa Estadual; doação de uma viatura de polícia; convênio para construção da Praça da Matriz, entre outros benefícios. 


Ângelo Rosa Ribeiro, ex-deputado representante de Gouvelândia e ex-secretário estadual das pastas da agricultura e do planejamento e coordenação.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Tulha: A volta da EMATER, pela agricultura familiar

A volta da EMATER, pela agricultura familiar, pequena produção e aos que a ela se dedicam.

Em determinado momento do desenvolvimento de Goiás era preciso apoiar o homem do campo, para que houvesse produção de riqueza no meio rural. Com a implantação da Associação de Crédito e Assistência Rural – ACAR-Goiás foi possível aproveitar os programas especiais existentes e promover rápido incremento da produção agropecuária, objetivo coroado, pelo trabalho social desenvolvido em paralelo, que priorizava a família dos agricultores, através da disseminação de técnicas de economia doméstica, saúde, saneamento, alimentação e outros conhecimentos.

A partir da década de 60, o sistema de extensão brasileiro deixou de lado o antigo modelo de crédito supervisionado e passou a utilizar-se do crédito orientado, através de programas especiais, com apoio da pesquisa agropecuária, que rapidamente se desenvolvia. Em 1975, a ACAR - Goiás passou por uma remodelação estrutural, para acompanhar uma tendência de momento da agricultura no país. Surgiu a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER, uma moderna instituição pública. Ao mesmo tempo a produção do conhecimento técnico se avolumava com o trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias - EMBRAPA, secundado pelo EMGOPA, sua coirmã criada para atender a demanda estadual. Assim se estabelecia o tripé crédito subsidiado, assistência técnica - extensão rural e pesquisa agropecuária, que foi responsável pela rápida conquista dos Cerrados, para o processo produtivo. Deu-se neste período a produção de cultivares e de tecnologias que promoveram o aumento da produtividade da agricultura e da pecuária goiana. A viabilização do plantio de soja no cerrado foi o melhor exemplo desta parceria. Neste período começa a fase do produtivismo, baseado no modelo empresarial, na modernização tecnológica e na elevação da produtividade, que resultou em seguidas supersafras. Era tanto sucesso, que agricultura goiana parecia emancipada, auto-suficiente e nada podia deter o seu crescimento.

Como em um paradoxo, as instituições goianas de assistência técnica e de pesquisa agropecuária, que sustentaram o processo de modernização capitalista do setor, mergulharam-se em profunda crise financeira, por certo em decorrência do elevado estágio alcançado pela agropecuária e por inadequada gestão empresarial. Assim, elas acabaram fechadas, mesmo sob protestos de seus colaboradores e incredulidade dos segmentos da pequena produção, que delas muito dependiam.

O modelo de desenvolvimento agropecuário adotado de fato gerou excedentes exportáveis, transformou o estado em grande produtor de grãos e o país em uma potência mundial na produção de alimentos, todavia excluiu milhões de trabalhadores do campo, inviabilizou um grande contingente de pequenos proprietários e gerou sérios prejuízos ambientais, como erosão dos solos agricultáveis e contaminação destes e dos mananciais hídricos, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos e pesticidas. Houve agravamento social das periferias das cidades, para onde se deslocavam os trabalhadores oriundos do campo. Incontáveis acampamentos de sem-terra surgiam por todo o país.

Em decorrência desta situação o governo brasileiro reagiu com ações de inclusão social, projetos de reforma agrária e a expansão do crédito subsidiado, através de programas especiais, como o Programa Nacional da Agricultura Familiar - PRONAF e outras ações, em busca de fixação e de prosperidade das famílias assentadas e das que permaneceram em suas pequenas propriedades. A Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER volta a ser inserida no debate nacional, como instituição capaz de viabilizar a agricultura familiar e a pequena produção rural. De fato, será preciso investir mais na geração e difusão de novos conhecimentos, para melhorar o desempenho das pequenas propriedades, com diversificação de culturas e criações pecuárias, bem como de outras atividades, para viabilizar um novo ciclo de desenvolvimento social, para o campo. A agricultura familiar praticada em moldes sustentáveis, além de produzir matéria prima de qualidade, poderá ensejar a organização do setor, através do associativismo, dos arranjos produtivos locais, para agregar valor à produção, como na estruturação, por exemplo, de uma fábrica de processar derivados de frutas, ao integrar cadeias produtivas, gerar empregos, renda, ao tempo em que propicia serviços de saúde, lazer e educação. Desta forma pode ser contida boa parte do grande fluxo migratório responsável pelas mazelas sociais que acontecem nas cidades. Os governos poderão investir menos em contratação de policiais, em construção de presídios e cadeias, porque as pessoas continuarão no campo e com qualidade de vida.

Espera-se que haja união dos esforços dos governos federal, estadual e municipal que resultem em extensão rural forte, participativa, modernizada e principalmente criativa. Ademais, os abnegados idealistas da extensão rural, atuais e futuros, merecem melhores condições de trabalho, com escritórios que disponham de boa infra-estrutura física e logística, e utilizarem-se dos avanços da tecnologia da informação.

É nessa direção que devemos caminhar. Os primeiros passos para este novo momento estão acontecendo, com a formalização de uma nova entidade de apoio à agricultura familiar e à pequena produção sustentável. Pouco interessa se ressurge na forma de empresa, autarquia ou nos moldes da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - CATI, em São Paulo. É a grandeza da causa e o amor dos que a ela se dedicam que fará importante a nova instituição. O importante é que seja prestigiada. E isso já se faz acontecer, com o envio, pelo governador Marconi Perillo, da proposta de reforma administrativa, para aprovação do poder legislativo, em que destaca a importância da ATER e da pesquisa agropecuária, como poderosas ferramentas de apoio ao nosso desenvolvimento sócio-econômico.

Ângelo Rosa Ribeiro é ex-deputado, ex-secretário estadual de Agricultura e ex-secretário estadual de Planejamento.

Origem e feitos do pioneiro Chico Rosa, 1863

Casa construída por Chico Rosa, em 1890

A vinda e as realizações do pioneiro Chico Rosa

            Francisco Rosa de Morais – Chico Rosa  era filho do português Manoel Antônio Rosa e de Maria Rosa. Vivia com sua família na região de Araxá, província de Minas Gerais. De lá saiu, em 1870, com idade de 17 anos, acompanhado de seus irmãos mais velhos Porfírio Rosa de Morais e Maria Rosa de Morais. Depois de percorreram grandes distâncias, no Triângulo Mineiro, atravessaram os rios Paranaíba, Meia Ponte e dos Bois, de onde avançaram, por uma vasta região desabitada, de terras planas e de matas muito fechadas, entre os córregos do Lajeado e Fundo,  até alcançar as abas do grande Morro do Paredão.

            Estrategicamente os irmãos Rosa se distribuíram naquela amplidão. O jovem Francisco e sua irmã Maria se apossaram das terras situadas ao longo do córrego Grande, desde sua cabeceira, incluindo o altiplano do citado morro, até a confluência, no rio dos Bois. Maria Rosa permaneceu com o irmão, até se casar com Joaquim Pedro Martins e transferir-se para terras às margens do rio dos Bois, entre as barras dos córregos Bonito e Lajeado. Porfírio Rosa de Morais estabeleceu-se no além paredão, nas imediações do rio São Francisco, em sua margem direita. João Antônio Barbosa, o último a chegar, tomou posse da região entre os córregos da Pindaíba e do Lajeado. 

               O jovem Chico Rosa era descendente de portugueses, tinha pele muito branca, olhos azuis e cabelos crespos. Alguns anos após sua chegada, encontrou-se com Aninha, uma jovem de pele escura e cabelos encaracolados, filha de Brígida, uma ex-escrava que habitava um espaço encravado no lado norte do morro do Paredão.  Chico e Ana, a quem denominou Ana Jesus de Morais, uniram-se conjugalmente  e viveram juntos em uma morada que construíram  às margens do Córrego Grande, onde tiveram os filhos Joaquim, Maria Antônio, José (Zequinha), Galdino, Benedito, Jovino (Paulista), Geracina, Josino, Geraldo e Josina, todos de sobrenome Rosa de Morais. Como tiveram vários filhos, deles descendem uma enorme prole que se espalhou por todo o município e regiões vizinhas. 
               
O irmão Barbosa

              Alguns anos após a chegada dos primeiros irmãos,  veio para a região o jovem Antônio Barbosa, que apesar do sobrenome distinto, tinha grande semelhança física e muita afinidade com os demais. Logo se juntou aos primeiros e sem hostilidade compartilhou as terras dominadas pelos mais velhos.  Parecia haver  entre eles algum segredo, que nunca revelaram.  Todavia, como apontam as evidências, deveriam ser mesmo irmãos. Tal como o provável avô comum, Manoel Antônio, todos os seus filhos tiveram o sobrenome Antônio, como João Antônio, Pedro Antônio e outros. Uma filha do pioneiro Chico se chamava Maria Antônio, o que reforça a tese da irmandade. Outro fato que indica ligação familiar era o comportamento mantido pelo grupo, típico de irmãos, sempre próximos e compartilhando seus problemas. Em determinada ocasião, tendo de permanecer ausente dos familiares por um longo período, Chico Rosa repassou a Antônio Barbosa, que o assessorava em seus negócios, uma significativa importância em dinheiro e pediu que ajudasse Josina, sua filha mais nova, em caso de necessidade. Antônio Barbosa esteve sempre por perto dela, como seu conselheiro e protetor. Já velho e doente, sem que alguém soubesse do fato, procurou-a e lhe repassou o dinheiro.


Benfeitorias, comunicação, transportes

              O pioneiro e sua família construíram às margens do Córrego Grande  importantes benfeitorias. A velha sede, construída por volta de 1890, tem  piso, janelas, ripas, caibros em bálsamo e peroba rosa. Ao redor da mesma há certidões de um engenho para a produção de rapadura e uma pipa para o fabrico de telhas. Resistem ao tempo os velhos currais, o galpão bezerreiro, o rego d´água, a casa do monjolo, onde havia uma fábrica de farinha, que dispunha de uma prensa para secagem de massa de mandioca ralada e um ralo movido a água corrente. Entre ruínas, podem ser vistas o moinho, com suas grandes pedras trituradoras de grãos. Hoje, apesar do tempo decorrido e da falta de direcionamento para sua preservação, a casa encontra-se bem conservada, como uma relíquia da construção rural da época e verdadeiro patrimônio histórico, que deveria ser tombada, para que o poder público ajudasse o seu proprietário a conservá-la adequadamente para as futuras gerações. 

              Por razões não bem conhecidas, segundo informações de antigos moradores ligadas à defesa das terras conquistadas, o pioneiro foi preso e condenado pela justiça, quando se afastou de sua família, para cumprir uma pena de 12 anos na cidade de Goiás, a capital da província. Nesta época teve grande importância para os filhos do pioneiro a presença do Antônio Barbosa, a quem, antes de ser preso,  solicitou ajuda no acompanhamento de seus filhos. Quando voltou os encontrou adultos e de posse de suas terras. Muito doente veio a falecer pouco tempo depois, em 1918, aos 65 anos de idade.

             Com a morte do pioneiro, em 1918,  alguns de seus filhos aproximaram da sede, ao lado da mãe, promovendo melhorias. Na sede residiram o casal de pioneiros e seus filhos. Nela permaneceu a filha Josina e sua família, que foi sucedida pelo neto Cristiano Rosa Ribeiro e família. Hoje, ali reside o bisneto Alaor Martins Ribeiro e sua família.


               A fazenda construída por Chico Rosa e  seus filhos tinha grande importância na região, o que se comprova pela trajetória das estradas antigas, ao convergirem de vários pontos onde os filhos construíram suas residências para o local da sede da antiga, onde viveu o velho pioneiro. Devido as benfeitorias nela existentes, a fazenda  era uma espécie de central de produção de gêneros alimentícios que por longos anos servia a família espalhada pela região. 

 

                Ao que tudo indica, a família Rosa de Morais foi a primeira a chegar nas Sete Lagoas. Mas,  na contemporaneidade, dividiu espaços com a família Martins, com quem tinha grande interação. Seus descendentes conviveram com as famílias Barbosa, Andrade, Mesquita, Clara, Corrêa, Campos, Dias, Ferreira, Lima, Venâncio, Rodrigues, Goulart, Pereira, Couto, Gonçalves, Lemes do Prado, Ribeiro e outras que foram as formadoras da população das Sete Lagoas.

Quirinópolis - uma cidade de gente valente



Uma cidade de gente valente

             Embora boa parte dos quirinopolinos não goste de ouvir a expressão cidade de valentões, os fatos históricos relativos ao desenvolvimento desse município muito contribuíram para a fama do lugar.

O primeiro valentão

              O primeiro morador de Quirinópolis foi João Crisóstomo de Oliveira, que veio de Ouro Preto, em 1832, trazendo consigo comitiva e escravaria. Conforme relata o escritor Bernardo Elis, no comentário cultural intitulado “Agora Aparece um Machão”, publicado em seu livro “Goiás Em Sol Maior”, o tal João Crisóstomo saltou o rio Paranaíba, próximo ao local onde hoje está Itumbiara e se adentrou no mais afastado do sertão, no meio da mataria virgem, que ele era homem de gostar de gritar e não escutar ninguém por perto para responder, alcançando a região do ribeirão Fortaleza, nas imediações do seu afluente, o córrego Água Limpa, como hoje é conhecido. 
             O padre Antonio Dias veio em seguida para rezar e abençoar o lugar, mas teve que se retirar rápido, porque também de reza e de padre, naqueles tempos, o desbravador não gostava. 

            Passados alguns anos, chegou Custódio Lemos do Prado, vindo de São Paulo, também com muitos escravos e comitiva enorme, instalando-se na região do córrego, que mais tarde se chamou Ronda, hoje no município de Gouvelândia.  Ao recém-chegado, o tal Crisóstomo deu ordem para que se retirasse, mas o Custódio, como relata Bernardo Elis, “ficou coçando o umbigo, começou a abrir roça, botar cocho de sal para o gado, fazer rancharia. Durou pouco a faroma, até que um dia toparam com ele morto na estrada, sem que nunca ninguém soubesse quem houvera sido o matador. Ora, então quem ia matar esse paulista? Não vê que devia de ter sido suicídio!”

            Alguns anos depois, vindo de Franca, em São Paulo, apareceu na região o tenente da guarda - nacional José Vicente de Lima, que era médico. Foi aí que João Crisóstomo, ao admitir que já não estivesse mesmo com o coração muito bom, resolveu vender-lhe alguns milhares de alqueires.  Como nada de ruim dura para sempre, enquanto cuidava do coração do João, o velho Lima trouxe parentes e amigos, dando expressiva ajuda à região.

Um coronel valente e ordeiro

     O pioneiro Coronel José Quirino Cardoso, de quem se originou o topônimo Quirinópolis, também era um homem muito valente. Dizem que foi morto, em 1919, aos 49 anos, ao enfrentar um grupo de desordeiros, que conturbavam a ordem pública da pacífica Capelinha. Assim procedeu, para honrar a condição de juiz distrital e para cumprir de seu dever, como autoridade do lugar.

A vida pelo juiz amigo e pela ordem pública

        No dia 17 de fevereiro de 1924, o senhor Adolfo José da Abadia, na condição de juiz distrital, presidia as eleições da Capelinha, pois se realizavam em todo o país para deputados e senadores. O juiz, além de sua autoridade formal, tratava-se de um pioneiro, um homem que muito empreendia nessa terra como agro-pecuarista e comerciante, dono da Fazenda Engenho da Serra, onde criava gado e produzia o açúcar, que era comercializado na região.

        Logo pela manhã  o senhor Adolfo foi avisado, que José Veloso de Matos, um homem perigoso, conhecido pelo sobrenome Veloso, por razões até hoje não bem esclarecidas, o procurava para matar. 

          Foi aí que, por seu destemor, Sebastião Ovídio Ribeiro, que respondia pelo apelido de Sebastião Meia Légua, denominação advinda de seu gosto pela viola e pela força de sua garganta, foi chamado às pressas, pelo próprio juiz, para dar um jeito no valente Veloso. Sem saída, por ser amigo do juiz, aceitou a missão. Após encontrar e ouvir o fora da lei, convidou-o para juntos voltarem para a região das Sete Lagoas, onde ambos residiam, convencendo-o a evitarem maiores complicações, naquele dia de eleição. Meia-Légua  era esposo de Josina Rosa de Morais, filha do pioneiro Chico Rosa. A poucos quilômetros da cidade, em uma passagem estreita no Córrego Cruzeiro, Veloso se atrasou, arrancou de sua arma e detonou-a, atingindo pelas costas o seu acompanhante.  Ferido na coluna, já sem forças, Sebastião pediu que não o matasse pelas costas, quando Veloso, virando-o, explicou suas razões, qual era uma ação por vingança.

Soube-se depois, que há anos passados, em uma festa na casa de José Vicente, morador do Paredão, próximo das Sete Lagoas, um amigo e parceiro de Sebastião Meia Légua, por nome Orosimbo Mesquita, tentou matar a tiros o Veloso, que alvejado, teve orelha e face perfuradas por uma bala.  O incidente ocorreu porque Veloso, que acabava de ali chegar, exigiu que Meia Légua, que animava a festa, tocasse um tango, alegando que queria dançar, o que de fato fez com uma carabina a tiracolo, mal disfarçada sob uma longa capa. Uma mulher ali presente, conhecida por América Teixeira, desquitada, destemida e amiga do festeiro, interveio e pediu que ele tocasse outra música, no que foi prontamente atendida. A divergência se tornou evidente, quando Veloso deu vários tiros debaixo da dançarina, causando enorme correria na noite escura e um conflito entre ele e Meia Légua, que, impossibilitado de movimentar, com uma contusão na perna, então, pediu ao seu amigo Orosimbo, dar cabo ao desordeiro. Solícito, com o revólver emprestado pelo amigo, este passou a perseguir o desafeto, que foi encontrado, já montado em seu cavalo, pronto para a fuga, quando foi atingido, por uma bala, por certo, disparada pelo parceiro do Meia Légua.

Após matar o Sebastião Meia Légua, Veloso fugiu para a fazenda do Coronel Jacinto Honório, amigo do juiz e da família da vítima, onde solicitou um almoço, que pagaria com o revólver “da fera das Sete Lagoas”, que tinha acabado de matar.  Daí prosseguiu viagem para sua propriedade, onde esteve escondido por alguns dias. 

      Forte esquema policial foi montado, por iniciativa do influente Coronel Antonio Rodrigues Pereira, sogro do juiz, quando soube que o marginal Veloso, que acabava de matar Meia Légua, tinha sido contratado por alguém para matar seu próprio genro. As operações policiais ficaram a cargo do delegado de polícia de Rio Verde, Catulino Viegas, que foi especialmente contratado para dar solução ao caso. Acossado pelos policiais, sob o comando do Tenente João Ferreira, Veloso deixou a propriedade do senhor José Corrêa Neves, concunhado e desafeto de Meia-Légua, onde se refugiava, para seguir em direção a Ouroana, escondendo-se na fazenda de Ataliba Jaime, na época citado como uma pessoa influente em Rio Verde. Para sua perseguição foi convocado o senhor José Bento, um morador da região, que conhecia as pegadas do cavalo do fugitivo, por um defeito de seus cascos. Daí, Veloso seguiu para o município de Jataí, onde foi capturado, em seu esconderijo, quando ainda dormia. Contido, tentou fugir, mas foi atingido por tiros dos policiais.

            Segundo o relato de populares, que o temiam, Veloso era também um grande feiticeiro. Ele era capaz de sumir e aparecer de qualquer lugar.  Na dúvida, para que o mesmo tivesse fim, os policiais crivaram-no de balas, mas foi preciso que o informante José Bento contasse que o mesmo possuía, implantado em suas costas, uma imagem de Santo Antonio, que lhe dava proteção. Assim, decidiram arrancá-la e, em seguida, cortar-lhe o pescoço.

Devido à distância e as dificuldades de traslado à época, ali foi enterrado. O seu rosto e sua orelha, marcados por velhas cicatrizes, foram devolvidos, com um bilhete, informando que “o touro foi abatido próximo a Jataí”, e entregues ao Cel. Antonio Rodrigues Pereira, que ao conferir as provas, deu uma grande gargalhada.

Este episódio, de forma resumida, foi lembrado no livro de memórias do Dr. Pedro Ludovico Teixeira, que como médico estava no povoado, cuidando da saúde do Coronel, a pedido de seu amigo Adolfo, quando os portadores chegaram, com as provas da missão cumprida.  Ao perguntar-lhe o motivo da grande alegria, o Coronel disse: “livrei meu genro da morte certa,” não entrando em pormenores.

O fator cultural

 Em todos os estágios precursores de seu desenvolvimento, Quirinópolis foi palco de incontáveis conflitos entre seus moradores, por diversos motivos. A tarefa de desbravar e sobreviver numa região quase desabitada, cercada de cerrados,  cerradões e matas, era um enorme desafio. Seus moradores tinham fama de valentes, porque estavam acostumados a enfrentar o pior e valorizavam a condição de desbravadores, não aceitando o desrespeito de forasteiros ou intrusos.

 Com o desenvolvimento do município muita gente chegava de várias procedências. Os conflitos surgiam pelas diferenças de costumes e pela dificuldade de interação.  Quase sempre tinham origem nas diferenças do modo de agir, de ser e do falar. A ação da polícia no município, por não conhecer as pessoas e cultura do lugar, também originava muitas desavenças e mortes. Eram frequentes conflitos entre pessoas oriundas do nordeste do país, que vinham para ajudar na derrubada das matas e na formação das pastagens. Deixavam suas famílias por lá e se aventuravam na busca de oportunidades ou da sobrevivência. Eram pessoas destemidas, que não tinham muita coisa a perder. Possuíam o hábito de portarem uma faca na cintura, a qual muito valorizavam. Eram as peixeiras, usadas na pesca marítima, onde o instrumento era imprescindível. Mas, aqui na região que não tinha mar nem tanto peixe, servia mais como objeto de defesa pessoal e de agressão nos conflitos. Como as desavenças eram inevitáveis, os moradores do lugar passaram a usar revólveres, para não serem surpreendidos. Infelizmente, muitos destes episódios terminaram em óbitos.

 Estas e muitas outras ocorrências, surgidas no árduo processo de desenvolvimento da região, contribuíram para a fama do município, principalmente pelos eventos desta natureza que por vezes ocorriam nas áreas de expansão de fronteira agrícola, coma as Sete Lagoas, que por isso tornou-se estigmatizada, como um lugar perigoso.

Sem dúvida, estes fatos são relembrados, pelos mais idosos, muitos dos quais viveram causas e consequências dos mesmos. Alguns casos se desenvolveram com contornos misteriosos e outros, com lances de muita coragem e astúcia, em situações típicas vividas pela população, naquelas difíceis épocas. 

Não há, portanto, como negar que os fatos vividos pelos habitantes de Quirinópolis, desde os tempos do desbravar da região, não tenham se constituído em fortes ingredientes da formação dos costumes e da cultura do lugar. A cidade dos valentões é coisa do passado, mas gostando ou não é difícil negar que ela um dia existiu.

                               Ângelo Rosa Ribeiro, quirinopolino e ex-professor universitário.