sábado, 3 de agosto de 2013

Sem peões, boiadas e boiadeiros


Comissários e comitivas

                O transporte de boiadas constituiu-se em um fenômeno sócio-econômico e cultural de grande significado para a região compreendida pelo norte do Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás, com maior prevalência até os meados do século passado, praticamente extinguindo-se na década de 80. O histórico frigorífico de Barretos registra a última entrada de uma boiada para abate em 1.986.

                Na organização de uma boiada o comissário era também o responsável pela comitiva, que se formava por um grupo de peões de boiadeiros e suas montarias, geralmente mulas e burros, embora também fossem usados cavalos. Com estes recursos era feito o transporte das boiadas pelas estradas de terra, chamadas de estradões, de uma fazenda a outra ou da invernada para o matadouro, percorrendo grandes distâncias, em marchas por dias a fio. O maior movimento de boiadas era feito em direção à Barretos, a partir do ano de 1.913, quando ali se instalou o primeiro frigorífico do Brasil.


                A comitiva contava sempre com a figura do ponteiro, que era um peão experiente e conhecedor da estrada, que ia a frente da boiada tocando o berrante nos momentos apropriados, para atrair, estimular a marcha ou acalmar o gado e dar sinais para os demais peões. Os rebatedores eram os peões que cercavam o gado, impedindo que se espalhasse. Os peões da culatra iam à retaguarda da boiada. Os chamados peões da culatra manca ficavam para trás, tocando os bois que tinham dificuldades para acompanhar a boiada, por cansaço, ferimento ou doenças. O cozinheiro saia mais cedo que os demais integrantes da comitiva, conduzindo os burros cargueiros com suas bruacas, nas quais levava os mantimentos e a tralha da cozinha.


                A comida era preparada quase sempre na beira de um riacho, local escolhido para "queimar o alho". Era constituída basicamente de arroz de carreteiro, feijão gordo ou tropeiro, paçoca de carne feita no pilão e carne assada no folhão (chapa), podendo variar de região para região ou de comitiva para comitiva.

                O berrante, um acessório imprescindível, era uma buzina feita por chifre de bois unidos entre si por anéis de couro, metal ou de chifre mesmo, e era usado pelos ponteiros, para manter a boiada em marcha. Ele emitia sons que podiam ser graves ou agudos, dependendo do toque, que eram propiciados pelas vibrações do ar feitas pelos lábios do berranteiro em contato com o bocal, ponta  mais estreita do instrumento, que podia ser mais raso ou fundo, dependendo do gosto do peão.


                O peão de boiadeiro, integrando a sua comitiva, percorria léguas e mais léguas pelo sertão, durante dias e até meses, tangendo o gado no lombo de mulas, vivendo toda sorte de aventuras no estradão, ora enfrentando situações de perigo, como quando a boiada estourava ou tinha que cruzar um rio caudaloso, ora vivendo romances com as mocinhas nas vilas por onde passava, ora se divertindo com os companheiros à noite nos pontos de pouso, onde tocavam viola e dançavam a catira.

           O peão de boiadeiro por onde passava despertava paixão, a admiração dos jovens e a paixão das moças. Garbosos em seus trajes típicos, com chapéu de aba larga, lenço no pescoço, guaiaca, bombachas, botas de cano alto e esporas chilenas tinindo a cada passo. Suas mulas eram arreadas com esmero, a tralha cheia de argolas de metal reluzente (alpaca). Na garupa, além da capa “Ideal” na porta capa de vaqueta, cheia de franja e margaridas, pendia da anca o cipó (laço) de couro de veado mateiro.


          A  cultura e tradição boiadeira é hoje mantida, sobretudo  nas festas da pecuária que se  realizam  por por todo o país. A mais expressiva delas é a  Festa de Peão de Boiadeiro de Barretos-SP que foi criada no ano de 1.956, inspirada nas comitivas e na figura do peão de boiadeiro. Nela se realiza diversos eventos, para relembrar o tempo das boiadas e dos boiadeiros. O concurso de berrante realizado no setor da “Queima de Alho” desta festa, exige dos concorrentes a execução dos seguintes toques do berrante: 1º) saída ou solta – toque sereno destinado a despertar a boiada pela manhã; 2º) estradão – toque que reanima a boiada na estrada, é repicado, semelhante ao som do soldado marchando; 3º) rebatedouro – toque de aviso de perigo, semelhante ao toque de clarim; 4º) queima do alho – aviso de que o almoço está pronto; 5º) floreio – toque livre, podendo ser uma música.

 
                Pena que o progresso tenha decretado o fim do chamado “transporte elegante das boiadas”. Asfaltaram os estradões, surgiram os caminhões, as grandes carretas, desapareceram os comissários, as comitivas e os peões de boiadeiros. Dos momentos ricos e alegres do transporte das boiadas resta  apenas os registros históricos, as lembranças e a saudade, dos poucos protagonistas  que ainda permanecem vivos.


          As lembranças dos tempo das boiadas, dos comissários, de suas comitivas servem de inspiração para muitas canções e as mais belas modas de viola,  legítimas manifestações do rico universo cultural do homem do campo, têm como tema a vida do peão. Quem não se lembra de composições  como: Vida de Peão, Boi Soberano, Ponteiro de Boiada, O Menino da Porteira, Boi Fumaça, Os Três Boiadeiros, A Volta do Boiadeiro, Saudosa Vida de Peão, Berrante de Ouro, Mágoa de Boiadeiro, Velho Peão, Travessia do Araguaia, Boiadeiro Errante, além de outras tantas que nem daria para enumerar neste espaço exíguo.

                A exemplo do que ocorreu em boa parte do Brasil, a enorme a contribuição para o desenvolvimento  sócio-econômioo e cultural  Estado de  Goiás,  em especial para o Sudoeste Goiano, dado a proximidade com a região de Barretos e ao numeroso rebanho bovino que detinha.    Não é possível contar a  história do povo goiano,   sem menção aos feitos dos peões boiadeiros, dos comissários e sua comitivas no transporte da grande riqueza daquela época, as boiadas, pelas  estradas boiadeiras que cortavam a região.

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                       Ângelo Rosa Ribeiro, em adaptação do texto de Agnaldo José de Góes.

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