Comissários e comitivas
O
transporte de boiadas constituiu-se em um fenômeno sócio-econômico e cultural
de grande significado para a região compreendida pelo norte do Paraná, São
Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás, com maior prevalência até os meados
do século passado, praticamente extinguindo-se na década de 80. O histórico
frigorífico de Barretos registra a última entrada de uma boiada para abate em
1.986.
Na
organização de uma boiada o comissário era também o responsável pela comitiva, que se formava por um grupo de peões de boiadeiros e suas
montarias, geralmente mulas e burros, embora também fossem usados cavalos. Com estes recursos era feito o transporte das boiadas pelas estradas de terra, chamadas de estradões,
de uma fazenda a outra ou da invernada para o matadouro, percorrendo grandes
distâncias, em marchas por dias a fio. O maior movimento de boiadas era feito
em direção à Barretos, a partir do ano de 1.913, quando ali se instalou o primeiro
frigorífico do Brasil.
A comitiva
contava sempre com a figura do ponteiro, que era um peão experiente e
conhecedor da estrada, que ia a frente da boiada tocando o berrante nos
momentos apropriados, para atrair, estimular a marcha ou acalmar o gado e dar
sinais para os demais peões. Os rebatedores eram os peões que cercavam o gado,
impedindo que se espalhasse. Os peões da culatra iam à retaguarda da boiada. Os
chamados peões da culatra manca ficavam para trás, tocando os bois que tinham
dificuldades para acompanhar a boiada, por cansaço, ferimento ou doenças. O cozinheiro
saia mais cedo que os demais integrantes da comitiva, conduzindo os burros
cargueiros com suas bruacas, nas quais levava os mantimentos e a tralha da
cozinha.
A
comida era preparada quase sempre na beira de um riacho, local escolhido para "queimar o alho". Era constituída basicamente de arroz de carreteiro, feijão gordo
ou tropeiro, paçoca de carne feita no pilão e carne assada no folhão (chapa),
podendo variar de região para região ou de comitiva para comitiva.
O berrante,
um acessório imprescindível, era uma buzina feita por chifre de bois unidos
entre si por anéis de couro, metal ou de chifre mesmo, e era usado pelos
ponteiros, para manter a boiada em marcha. Ele emitia sons que podiam ser graves
ou agudos, dependendo do toque, que eram propiciados pelas vibrações do ar
feitas pelos lábios do berranteiro em contato com o bocal, ponta mais estreita do
instrumento, que podia ser mais raso ou fundo, dependendo do gosto do peão.
O peão
de boiadeiro, integrando a sua comitiva, percorria léguas e mais léguas pelo
sertão, durante dias e até meses, tangendo o gado no lombo de mulas, vivendo
toda sorte de aventuras no estradão, ora enfrentando situações de perigo, como
quando a boiada estourava ou tinha que cruzar um rio caudaloso, ora vivendo
romances com as mocinhas nas vilas por onde passava, ora se divertindo com os
companheiros à noite nos pontos de pouso, onde tocavam viola e dançavam a
catira.
O peão de boiadeiro por onde passava despertava paixão, a admiração dos jovens e a paixão das moças. Garbosos em seus trajes típicos, com chapéu de aba larga, lenço no pescoço, guaiaca, bombachas, botas de cano alto e esporas chilenas tinindo a cada passo. Suas mulas eram arreadas com esmero, a tralha cheia de argolas de metal reluzente (alpaca). Na garupa, além da capa “Ideal” na porta capa de vaqueta, cheia de franja e margaridas, pendia da anca o cipó (laço) de couro de veado mateiro.
A cultura e tradição boiadeira é hoje mantida, sobretudo nas festas da pecuária que se realizam por por todo o país. A mais expressiva delas é a Festa de Peão de Boiadeiro de Barretos-SP que foi criada no ano de 1.956, inspirada nas comitivas e na figura do peão de boiadeiro. Nela se realiza diversos eventos, para relembrar o tempo das boiadas e dos boiadeiros. O concurso de berrante realizado no setor da “Queima de Alho” desta festa, exige dos concorrentes a execução dos seguintes toques do berrante: 1º) saída ou solta – toque sereno destinado a despertar a boiada pela manhã; 2º) estradão – toque que reanima a boiada na estrada, é repicado, semelhante ao som do soldado marchando; 3º) rebatedouro – toque de aviso de perigo, semelhante ao toque de clarim; 4º) queima do alho – aviso de que o almoço está pronto; 5º) floreio – toque livre, podendo ser uma música.
Pena
que o progresso tenha decretado o fim do chamado “transporte elegante das
boiadas”. Asfaltaram os estradões, surgiram os caminhões, as grandes carretas, desapareceram os comissários, as comitivas e os peões de boiadeiros. Dos momentos ricos e alegres do transporte das boiadas resta apenas os registros históricos, as lembranças e a saudade, dos poucos protagonistas que ainda permanecem vivos.
As lembranças dos tempo das boiadas, dos comissários, de suas comitivas servem de inspiração para muitas canções e as mais belas modas de viola, legítimas manifestações do rico
universo cultural do homem do campo, têm como
tema a vida do peão. Quem não se lembra de composições como: Vida de Peão, Boi
Soberano, Ponteiro de Boiada, O Menino da Porteira, Boi Fumaça, Os Três
Boiadeiros, A Volta do Boiadeiro, Saudosa Vida de Peão, Berrante de Ouro, Mágoa
de Boiadeiro, Velho Peão, Travessia do Araguaia, Boiadeiro Errante, além de
outras tantas que nem daria para enumerar neste espaço exíguo.
A exemplo do que ocorreu em boa parte do Brasil, a enorme a contribuição para o desenvolvimento sócio-econômioo e cultural Estado de Goiás, em especial para o Sudoeste Goiano, dado a proximidade com a região de Barretos e ao numeroso rebanho bovino que detinha. Não é possível contar a história do povo goiano, sem menção aos feitos dos peões boiadeiros, dos comissários e sua comitivas no transporte da grande riqueza daquela época, as boiadas, pelas estradas boiadeiras que cortavam a região.
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Ângelo Rosa Ribeiro, em adaptação do texto de Agnaldo José de Góes.
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