O Comissário e a Comitiva
As
comitivas eram formadas por grupos de peões de boiadeiro e suas
montarias, geralmente mulas ou burros, embora também fossem usados
cavalos, que faziam o transporte das boiadas pelas estradas de terra,
chamadas de “estradões”, de uma fazenda à outra ou da invernada
para o matadouro, percorrendo grandes distâncias, durante dias a fio, que
eles chamavam de “marchas”, antes do advento dos caminhões-gaiola e das
estradas pavimentadas.
Esse
fenômeno sócio-econômico e cultural ocorreu na região compreendida pelo
norte do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás,
praticamente extinguindo-se no Estado de São Paulo na década de
oitenta do século vinte,
valendo notar que a última boiada conduzida para abate na cidade de
Barretos foi no ano de 1.986, pelo comissário Wilson Pimentel.
Considerando a grande abrangência dessa atividade no tempo e no espaço, é
importante salientar que a terminologia empregada, bem como os usos e
costumes dos boiadeiros, podiam variar.
O
comissário era o dono da comitiva.
O ponteiro era um peão experiente e conhecedor das estradas,
que ia à frente tocando o berrante, nos momentos apropriados, para atrair,
estimular a marcha ou acalmar o gado e dar sinais para os demais
peões. Os rebatedores eram os peões que cercavam o gado, impedindo
que se espalhassem. Os peões da culatra iam na retaguarda da
boiada. Os peões da “culatra manca” ficavam para trás tocando os
bois que tinham problemas para acompanhar a marcha da boiada, por cansaço,
ferimento ou doença. O cozinheiro saía mais cedo que os demais
integrantes da comitiva, conduzindo os burros
cargueiros com suas bruacas, nas quais levava os mantimentos e tralhas de
cozinha, até encontrar um rio em cuja margem pudesse preparar a refeição,
ou seja, “queimar o alho”. Conforme destacado acima, a
terminologia podia variar de região para região.
A
comida era constituída, basicamente, de arroz de carreteiro, feijão gordo,
paçoca de carne feita no pilão, e carne assada
no “folhão” (chapa), podendo variar, conforme as
circunstâncias, de região para região ou de comitiva para comitiva,
de modo que não havia um cardápio único para todas.
O
berrante é uma buzina
feita de chifres de boi unidos entre si por
anéis de couro, metal ou chifre mesmo, e era usado pelos ponteiros para
atrair, estimular ou acalmar o gado e dar sinais
aos demais peões da comitiva. Ele emite sons, que podem ser graves ou
agudos, dependendo do toque, a partir das vibrações do ar feitas pelos
lábios do berranteiro em contato com o bocal mais estreito do instrumento.
Esse bocal varia de acordo com a forma dos lábios,
podendo ser mais raso ou mais fundo.
São
vários os tipos de toque do berrante, que se diferenciam de acordo com a
situação. No concurso de berrante realizado no setor da “Queima do Alho”
da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, são exigidos dos concorrentes
os seguintes toques: 1º – saída ou solta: toque
sereno destinado a despertar a boiada pela manhã; 2º – estradão:
toque que reanima a boiada na estrada, é repicado, semelhante ao
som do soldado marchando; 3º – rebatedouro: toque de aviso
de perigo, semelhante ao toque de clarim; 4º – queima do alho:
aviso de que o almoço está pronto; 5º – floreio: toque livre,
podendo ser uma música.
O
peão de boiadeiro, integrando a sua comitiva, percorria léguas e mais
léguas pelo sertão, durante dias e até meses, tangendo o gado no lombo de
mulas, vivendo toda a sorte de aventuras no estradão, ora enfrentando
situações de perigo, como quando a boiada estourava ou tinha que cruzar um
rio caudaloso, ora vivendo romances com as mocinhas nas vilas por onde
passava, ora se divertindo com os companheiros à noite nos pontos de
pouso, onde tocavam viola e dançavam o catira.
O peão de boiadeiro por onde passava
despertava a paixão das moças, a admiração dos jovens que queriam
tornar-se um deles e o respeito dos demais homens, tal como os cavaleiros
andantes da Idade Média. Garbosos em seus trajes típicos, com chapéu de
aba larga, lenço no pescoço, guaiaca, bombachas, botas de cano alto
e chilenas tinindo a cada passo. Suas mulas eram arreadas com esmero, a
tralha cheia de argolas de metal reluzente (alpaca).
Na garupa, além da capa “Ideal” no porta-capa de vaqueta, cheio de franjas
e “margaridas”, pendia da anca direita o “cipó” (laço) de couro de veado
mateiro.
Pena
que o progresso tenha decretado o fim do chamado “transporte elegante das
boiadas”, restando dos peões de boiadeiro apenas as lembranças e as
saudades...
Não é à toa que as mais belas modas de viola,
legítimas manifestações do rico universo cultural do homem do campo, que
nos fazem chorar de emoção, têm como tema a vida do peão de boiadeiro.
Disso são exemplos as modas: “Boi Soberano”, “Ponteiro de Boiada”, “O
Menino da Porteira”, “Boi Fumaça”, “Os Três Boiadeiros”, “A Volta do
Boiadeiro”, “Saudosa Vida de Peão”, “Berrante de Ouro”, “Mágoa de
Boiadeiro”, “Velho Peão”, “Travessia do Araguaia”, “Boiadeiro Errante”,
além de outras tantas que nem daria para enumerar neste espaço exígüo.
O maior movimento das comitivas passou a
ser em direção à cidade paulista de Barretos, a partir do ano de 1.913,
quando se instalou ali o primeiro frigorífico do
Brasil. A Festa
do Peão de Boiadeiro de Barretos foi criada no ano de 1.956, inspirada nas
comitivas e na figura do peão de boiadeiro.
Adaptação do texto de Aguinaldo
José de Góes