domingo, 22 de fevereiro de 2015

Produção e comércio do açúcar de forma em Quirinópolis

Carreando açúcar de forma
               
                Das moendas do engenho a garapa era levada à tachas de fervura e destas ia aos gamelões de apuração, mas a calda açucarada ainda não era açúcar. Espalhada em tabuleiros ou formas forradas com bagaço de cana, ela teria de repousar por alguns dias sob cobertura  de barro preto nativo de lagoa para se purificar, clarear e transformar-se em um produto novo, cristalizado e de  agradável sabor - o açúcar de forma.

                Este produto era considerado mais  suave na comparação com a tradicional rapadura. Tinha a mesma origem - vinha da cana de açúcar, que era moída em  engenhos para extrair a calda, que passava por vários processos, até ganhar a doçura e a consistência de um adoçante. Seu uso vinha dos tempos coloniais, como um produto muito  usado na preparação de bebidas, doces, bolos e alimentos diversos.

                Para a missão de levar, em 1932, ao Porto da Maria Cunha, no rio dos Bois, 90 sacos deste açúcar reunidos de vários engenhos na região da Capelinha, foi procurado e contratado o casal  Benedito Carlota e sua esposa Olímpia Alves. Ele com seu carro de bois, um veículo de sua própria criação, e ela como candeeira, à frente de seis juntas de bois de propriedade do casal. Vieram da região do Varjão, que ficava às margens do rio Paranaíba, entre o antigo Porto do Gouveinha e a barra do córrego da Ronda, onde residiam.

                Benedito Carlota era assim chamado por ser filho de Carlota Corrêa, da família de pioneiros – os Corrêa(s),  da qual era mais conhecido o seu irmão Chico Corrêa, proprietário da marca Lagimeira, uma caninha de agradável paladar, muito apreciada em toda região do Sudoeste Goiano. Benedito, além de carreiro, fabricava carros de bois, carretões, carroças, utilizando-se de madeira que ele esculpia e de ferro fundia e moldava. Em casa tinha sua oficina diversificada, onde desempenhava os ofícios de ferreiro, sapateiro, carpinteiro, pedreiro, portanto era um senhor para toda serventia.

                Carregado e toldado o seu carro, com couro de boi e folhas de palmeira, como se exigia, partiram para a viagem. Deveriam cortar uma região de cerrados e matas pouco desbravada. Exigia-se muita coragem da mulher candeeira.   O imprevisto foi a chuva que tinha chegado já à alguns dias. O caminho passava pela ponte da cachoeira do  rio São Francisco, que estava novinha, erguida por um mutirão comandado pelo ainda jovem José Salomão.  Ali, estava o primeiro desafio: um atoleiro,  na subida do rio, depois da ponte, que deixou  o seu carro fincado na piçarra até o eixo,  nas trilhas amolecidas daquela estrada em formação. Era preciso pernoitar, por isso procuraram a casa de um conhecido, que ficava a três quilômetros dali.

                No outro dia, voltaram para desatolar o carro. Ao aproximar do veículo tiveram uma grande e desagradável surpresa: a carga amanheceu  completamente tomada por formigas doceiras e cabeçudas. Nunca se viu tanta formiga assim. As sacas estavam todas cortadas pelas saúvas e o açúcar que era branco opaco agora tinha ganhado uma cobertura marrom avermelhada devido as formigas. 

               Para arrancar o carro do atoleiro  adicionaram outras seis juntas de bois cedidas pelo fazendeiro. A tarefa não foi  tão difícil comparada ao trabalho que dava as formigas. Por fim, chegaram ao entendimento  que o jeito era tocar a viagem com elas mesmo. Debaixo de muita chuva chegaram ao senhor João Barbosa, compadre do carreiro, no alto da região do Paredão e seguiram pela estrada mestre, margeando o córrego do Lajeado. Já era noite,  quando alcançaram o Porto da Maria Cunha, de onde
e se podia chegar ao Triângulo Mineiro. A mercadoria agora era açúcar e algumas formigas, que não era boa, mas não podia ser descartada. Foi então depositada em uma sala de piso de chão, que foi forrada às pressas, com folhas de bananeiras. No outro dia veio o ataque das abelhas. Era assim naquela época. Mas, logo o produto seria dali levado à pé ou através de cavaleiros para ser consumido por moradores da região

                Naqueles tempos difíceis, o açúcar de forma servia para adoçar a vida da população que vivia em lugares distantes das pequenas cidades, mas seu transporte até estas localidades por carros de bois em época de chuvas, nem sempre fazia da vida dos carreiros uma doçura.

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