quinta-feira, 31 de março de 2016

Dilma, Janaína e o impeachment

Quinta-feira, 31/03/2016, às 07:50, por Helio Gurovitz

Os Brasis de Dilma e de Janaína

Os autores do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, depõem na comissão especial que analisa o processo

Dois Brasis ficaram evidentes ontem, nas declarações da presidente Dilma Rousseff, ao lançar uma nova etapa – mais uma – do programa de habitação Minha Casa, Minha Vida, e na apresentação da jurista Janaína Paschoal diante da Comissão Especial do Impeachment na Câmara dos Deputados (na foto, ela aparece sentada ao lado do jurista Miguel Reale Jr.).

"Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe", disse Dilma, numa frase ensaiada, não por coincidência reproduzida nos cartazes de deputados governistas que compareceram à reunião na Câmara. Ela procurou defender seu legado na Presidência. "Mesmo diante das dificuldades que nós temos, mesmo diante das dificuldades públicas e notórias pelas quais a economia do Brasil passa, é importante que a gente perceba que nós não podemos ajustar a economia para cortar programas sociais", afirmou. "Daí porque nós subsidiamos sim. Temos orgulho de subsidiar." Depois desferiu críticas contra o PMDB e contra o vice Michel Temer.

Em seu característico dialeto dilmês, ela proferiu mais uma daquelas sentenças improváveis na forma e imperscrutáveis no conteúdo: "Quem não tem razão para tirar um governo que tem sua base pactuada pela Constituição quer tirar o governo para golpear direitos garantidos da população. Se fazem isso contra mim, o que não farão contra o povo?" No final, veio o coro previsível de "não vai ter golpe".

Janaína, na Câmara, não poderia ter sido mais didática, mais clara e mais contundente em sua exposição, perante deputados que se comportavam como uma classe bagunceira na escola, que merecia zero de comportamento. No momento mais brilhante da apresentação, disse palavras que entrarão para a história:

– Tenho visto vários cartazes dizendo que impeachment sem crime é golpe, e essa frase é verdadeira. Mas estamos diante de um quadro em que sobram crimes de responsabilidade. Vítimas de golpe fomos nós.

Tecnicamente, o pedido de impeachment, assinado por Janaína e pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. e pelo advogado Flávio Ferreira, elenca três tipos de crime de responsabilidade atribuídos a Dilma: a lesão à lei orçamentária, com a emissão de decretos ilegais relativos ao cumprimento das metas de superávit; a abertura sistemática de créditos não autorizados em bancos e instituições financeiras públicas (as tais "pedaladas fiscais"); a omissão do registro desses créditos nos registros da dívida pública.

O pedido menciona ainda a conivência na compra fraudulenta da Refinaria Pasadena quando presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Afirma que várias das práticas contábeis ilegais se estenderam pelo segundo mandato, em alguns casos até agosto de 2015. Houve, segundo o texto, violação da lei 1079, de 1950, da Lei de Responsabilidade FIscal e do artigo 85 da Constituição.

Essas são as questões técnicas. Em sua explicação  aos deputados, Janaína deixou claro por que considera criminosa a política fiscal do governo Dilma. Basicamente, afirmou, o dinheiro público não pode ser administrado como se o país fosse da presidente da República. "O sentimento que se tem ouvindo a presidente falar é que realmente ela acredita que todos os órgãos são dela, que ela pode emitir a qualquer momento, que os bancos públicos são dela", afirmou Janaína. "Eles não conseguem ver sentido na nossa indignação, porque, infelizmente, acreditam mesmo que o BNDES é deles, que a Caixa Econômica Federal é deles, que o Banco do Brasil é deles."

"A responsabilidade fiscal neste governo, infelizmente, não é um valor. Prova de que não é um valor é que se fala, reiteradamente, que isso é uma questão menor. Mas, se a responsabilidade fiscal não for observada, nenhum programa pode ser mantido", disse ela. O jurista Miguel Reale Jr. já havia exposto a mesma ideia em sua manifestação: "Crime não é apenas colocar a mão no bolso do outro. Crime aqui é eliminar as condições do país de ter desenvolvimento, cuja base é a responsabilidade fiscal".

Pela enésima vez na semana passada, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, pediu mais uma redução nas metas estabelecidas para as contas públicas, uma queda de R$ 24 bilhões. A nova meta estabelece um superávit irrisório, de R$ 2,8 bilhões, mas pode ser tornar um déficit de até R$ 96,6 bilhões, pelas contas do governo. Ainda assim, Dilma não dá em seus discursos destaque algum à necessidade de cortar de gastos e equilibrar o Orçamento. Para ela, parece haver dinheiro para mais uma fase do Minha Casa, Minha Vida, para mais uma negociação com congressistas, para mais um déficit orçamentário, para o que vier pela frente.

Eis, portanto, a diferença entre o Brasil de Dilma e o Brasil de Janaína. No Brasil de Dilma, sobra dinheiro. No Brasil de Janaína, sobram crimes.

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