sábado, 28 de janeiro de 2017

O majestoso bicudo flauta voltará?


        
        Há pelo menos 20 anos, o bicudo se calou. Esse pássaro de bico robusto, conhecido pelo canto que mais parece notas saídas de uma flauta, sumiu da natureza por causa da caça e da destruição de seu habitat.

         Na década de 60,  um grupo de pessoas desconhecidas chegavam à casa de meus pais, na região das Sete Lagoas, em Quirinópolis-GO.   O grupo dizia estar a procura de curiós, que os nordestinos que morejavam na região conheciam por avinhado, mas indagavam para saber se havia no brejo e nas várzeas da fazenda um pássaro preto pequeno de bico branco, conhecido como bicudo, e que cantava como um sabiá. Traziam consigo gaiolas, caixas e recipientes que continham cola ou visgo, pasta  feita do leite da jaca ou gameleira, com que impregnavam varetas para pegar passarinhos.

           Depois de conversarem, receberam, a contragosto do proprietário que não gostava de caçadores, especialmente os de passarinhos, a permissão para se dirigirem ao local que queriam explorar - um brejo. Ali, encontraram muito capim-navalha, nativo de áreas alagadas, pronto para cortar as pessoas que nele se encostavam. Eram as sementes do capim-navalha o alimento preferido do pássaro cantor, que tanta expectativa criava naquelas pessoas. 

          Eu já tinha visto alguns daqueles pássaros com a descrição dada pelos caçadores. Eram poucos e ariscos. O cantor é o bicudo macho adulto, que é ciumento de seu território e briguento. Fêmea e bicudos jovens são marrons.  Em conversas os caçadores deixaram escapar que aquele passarinho era raro e muito valioso. Torci para que não conseguissem pegar nenhum, depois que soube da intenção deles de capturar e vender a avezinha, após melhorado o seu canto, com os treinamentos que receberiam dos chamados pássaros maestros e ouvindo gravações de cantores consagrados. De fato, a aventura dos caçadores foi em vão, não levaram bicudo, nem curió.

          Em menos de 20 anos os poucos bicudos da fazenda desapareceram. Seja por utilização de agrotóxicos, pesticida ou por alguma adversidade em seu habitat cessou o canto do majestoso astro, o mais apreciado, e este fato ocorreu em todo o país. Hoje, na natureza,  dizem os ornitólogos e criadores, não existem mais do que  200 bicudos soltos. Em cativeiro, haveriam cerca de 50 mil bicudos. O tráfico foi o principal causa de sua extinção. Embora, tenha passado a época áurea dos bicudos cantores, hoje o seu valor ainda é alto, em média R$ 80 mil por exemplar – há relatos de um pássaro negociado por R$ 330 mil.

       No interior de São Paulo ocorre uma iniciativa que traz esperanças. Um grupo de pesquisadores preparam dez casais de bicudos de cativeiro para a reintrodução na natureza. Fazem tudo com sigilo e sob controle.  Aos poucos, os 20 pássaros voarão pelos brejos da área escolhida, monitorados pelos ornitólogos da missão e protegidos pela polícia ambiental e por seguranças privados.

       Hoje, encontrar um bicudo na natureza é como ver um fantasma. A esperança é poder ouvir de novo o seu cantar em vários rincões deste país. Quem sabe, com outra consciência ambiental e utilizando-se das tecnologias existentes. Quiçá em futuro próximo poderemos ter na natureza, não em gaiolas, novos Batuque ou Fiote, dois bicudos célebres no país que criaram, entre os anos 1970 e 90, "padrões reais" com sucessão de mais de 20 notas musicais de passarinho.

        Será preciso resgatar e preservar a vida em sua diversidade e toda  grandeza enquanto seja possível para encantamento das criaturas e glória do criador do mundo em que vivemos.

https://www.youtube.com/watch?v=T1XGqGJYKrU

2 comentários:

  1. Estava pintando meu portão quando pousou este lindo pássaro. Nunca tinha visto comecei a procurar imagens na rede e achei. Bicudo preto aqui em Florianopolis

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  2. Essa foto possui direitos autorais. Peço a gentileza de tirá-la do ar para não sofrer processos decorrentes do uso sem autorização

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