terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Quirinópolis - uma cidade de gente valente



Uma cidade de gente valente

             Embora boa parte dos quirinopolinos não goste de ouvir a expressão cidade de valentões, os fatos históricos relativos ao desenvolvimento desse município muito contribuíram para a fama do lugar.

O primeiro valentão

              O primeiro morador de Quirinópolis foi João Crisóstomo de Oliveira, que veio de Ouro Preto, em 1832, trazendo consigo comitiva e escravaria. Conforme relata o escritor Bernardo Elis, no comentário cultural intitulado “Agora Aparece um Machão”, publicado em seu livro “Goiás Em Sol Maior”, o tal João Crisóstomo saltou o rio Paranaíba, próximo ao local onde hoje está Itumbiara e se adentrou no mais afastado do sertão, no meio da mataria virgem, que ele era homem de gostar de gritar e não escutar ninguém por perto para responder, alcançando a região do ribeirão Fortaleza, nas imediações do seu afluente, o córrego Água Limpa, como hoje é conhecido. 
             O padre Antonio Dias veio em seguida para rezar e abençoar o lugar, mas teve que se retirar rápido, porque também de reza e de padre, naqueles tempos, o desbravador não gostava. 

            Passados alguns anos, chegou Custódio Lemos do Prado, vindo de São Paulo, também com muitos escravos e comitiva enorme, instalando-se na região do córrego, que mais tarde se chamou Ronda, hoje no município de Gouvelândia.  Ao recém-chegado, o tal Crisóstomo deu ordem para que se retirasse, mas o Custódio, como relata Bernardo Elis, “ficou coçando o umbigo, começou a abrir roça, botar cocho de sal para o gado, fazer rancharia. Durou pouco a faroma, até que um dia toparam com ele morto na estrada, sem que nunca ninguém soubesse quem houvera sido o matador. Ora, então quem ia matar esse paulista? Não vê que devia de ter sido suicídio!”

            Alguns anos depois, vindo de Franca, em São Paulo, apareceu na região o tenente da guarda - nacional José Vicente de Lima, que era médico. Foi aí que João Crisóstomo, ao admitir que já não estivesse mesmo com o coração muito bom, resolveu vender-lhe alguns milhares de alqueires.  Como nada de ruim dura para sempre, enquanto cuidava do coração do João, o velho Lima trouxe parentes e amigos, dando expressiva ajuda à região.

Um coronel valente e ordeiro

     O pioneiro Coronel José Quirino Cardoso, de quem se originou o topônimo Quirinópolis, também era um homem muito valente. Dizem que foi morto, em 1919, aos 49 anos, ao enfrentar um grupo de desordeiros, que conturbavam a ordem pública da pacífica Capelinha. Assim procedeu, para honrar a condição de juiz distrital e para cumprir de seu dever, como autoridade do lugar.

A vida pelo juiz amigo e pela ordem pública

        No dia 17 de fevereiro de 1924, o senhor Adolfo José da Abadia, na condição de juiz distrital, presidia as eleições da Capelinha, pois se realizavam em todo o país para deputados e senadores. O juiz, além de sua autoridade formal, tratava-se de um pioneiro, um homem que muito empreendia nessa terra como agro-pecuarista e comerciante, dono da Fazenda Engenho da Serra, onde criava gado e produzia o açúcar, que era comercializado na região.

        Logo pela manhã  o senhor Adolfo foi avisado, que José Veloso de Matos, um homem perigoso, conhecido pelo sobrenome Veloso, por razões até hoje não bem esclarecidas, o procurava para matar. 

          Foi aí que, por seu destemor, Sebastião Ovídio Ribeiro, que respondia pelo apelido de Sebastião Meia Légua, denominação advinda de seu gosto pela viola e pela força de sua garganta, foi chamado às pressas, pelo próprio juiz, para dar um jeito no valente Veloso. Sem saída, por ser amigo do juiz, aceitou a missão. Após encontrar e ouvir o fora da lei, convidou-o para juntos voltarem para a região das Sete Lagoas, onde ambos residiam, convencendo-o a evitarem maiores complicações, naquele dia de eleição. Meia-Légua  era esposo de Josina Rosa de Morais, filha do pioneiro Chico Rosa. A poucos quilômetros da cidade, em uma passagem estreita no Córrego Cruzeiro, Veloso se atrasou, arrancou de sua arma e detonou-a, atingindo pelas costas o seu acompanhante.  Ferido na coluna, já sem forças, Sebastião pediu que não o matasse pelas costas, quando Veloso, virando-o, explicou suas razões, qual era uma ação por vingança.

Soube-se depois, que há anos passados, em uma festa na casa de José Vicente, morador do Paredão, próximo das Sete Lagoas, um amigo e parceiro de Sebastião Meia Légua, por nome Orosimbo Mesquita, tentou matar a tiros o Veloso, que alvejado, teve orelha e face perfuradas por uma bala.  O incidente ocorreu porque Veloso, que acabava de ali chegar, exigiu que Meia Légua, que animava a festa, tocasse um tango, alegando que queria dançar, o que de fato fez com uma carabina a tiracolo, mal disfarçada sob uma longa capa. Uma mulher ali presente, conhecida por América Teixeira, desquitada, destemida e amiga do festeiro, interveio e pediu que ele tocasse outra música, no que foi prontamente atendida. A divergência se tornou evidente, quando Veloso deu vários tiros debaixo da dançarina, causando enorme correria na noite escura e um conflito entre ele e Meia Légua, que, impossibilitado de movimentar, com uma contusão na perna, então, pediu ao seu amigo Orosimbo, dar cabo ao desordeiro. Solícito, com o revólver emprestado pelo amigo, este passou a perseguir o desafeto, que foi encontrado, já montado em seu cavalo, pronto para a fuga, quando foi atingido, por uma bala, por certo, disparada pelo parceiro do Meia Légua.

Após matar o Sebastião Meia Légua, Veloso fugiu para a fazenda do Coronel Jacinto Honório, amigo do juiz e da família da vítima, onde solicitou um almoço, que pagaria com o revólver “da fera das Sete Lagoas”, que tinha acabado de matar.  Daí prosseguiu viagem para sua propriedade, onde esteve escondido por alguns dias. 

      Forte esquema policial foi montado, por iniciativa do influente Coronel Antonio Rodrigues Pereira, sogro do juiz, quando soube que o marginal Veloso, que acabava de matar Meia Légua, tinha sido contratado por alguém para matar seu próprio genro. As operações policiais ficaram a cargo do delegado de polícia de Rio Verde, Catulino Viegas, que foi especialmente contratado para dar solução ao caso. Acossado pelos policiais, sob o comando do Tenente João Ferreira, Veloso deixou a propriedade do senhor José Corrêa Neves, concunhado e desafeto de Meia-Légua, onde se refugiava, para seguir em direção a Ouroana, escondendo-se na fazenda de Ataliba Jaime, na época citado como uma pessoa influente em Rio Verde. Para sua perseguição foi convocado o senhor José Bento, um morador da região, que conhecia as pegadas do cavalo do fugitivo, por um defeito de seus cascos. Daí, Veloso seguiu para o município de Jataí, onde foi capturado, em seu esconderijo, quando ainda dormia. Contido, tentou fugir, mas foi atingido por tiros dos policiais.

            Segundo o relato de populares, que o temiam, Veloso era também um grande feiticeiro. Ele era capaz de sumir e aparecer de qualquer lugar.  Na dúvida, para que o mesmo tivesse fim, os policiais crivaram-no de balas, mas foi preciso que o informante José Bento contasse que o mesmo possuía, implantado em suas costas, uma imagem de Santo Antonio, que lhe dava proteção. Assim, decidiram arrancá-la e, em seguida, cortar-lhe o pescoço.

Devido à distância e as dificuldades de traslado à época, ali foi enterrado. O seu rosto e sua orelha, marcados por velhas cicatrizes, foram devolvidos, com um bilhete, informando que “o touro foi abatido próximo a Jataí”, e entregues ao Cel. Antonio Rodrigues Pereira, que ao conferir as provas, deu uma grande gargalhada.

Este episódio, de forma resumida, foi lembrado no livro de memórias do Dr. Pedro Ludovico Teixeira, que como médico estava no povoado, cuidando da saúde do Coronel, a pedido de seu amigo Adolfo, quando os portadores chegaram, com as provas da missão cumprida.  Ao perguntar-lhe o motivo da grande alegria, o Coronel disse: “livrei meu genro da morte certa,” não entrando em pormenores.

O fator cultural

 Em todos os estágios precursores de seu desenvolvimento, Quirinópolis foi palco de incontáveis conflitos entre seus moradores, por diversos motivos. A tarefa de desbravar e sobreviver numa região quase desabitada, cercada de cerrados,  cerradões e matas, era um enorme desafio. Seus moradores tinham fama de valentes, porque estavam acostumados a enfrentar o pior e valorizavam a condição de desbravadores, não aceitando o desrespeito de forasteiros ou intrusos.

 Com o desenvolvimento do município muita gente chegava de várias procedências. Os conflitos surgiam pelas diferenças de costumes e pela dificuldade de interação.  Quase sempre tinham origem nas diferenças do modo de agir, de ser e do falar. A ação da polícia no município, por não conhecer as pessoas e cultura do lugar, também originava muitas desavenças e mortes. Eram frequentes conflitos entre pessoas oriundas do nordeste do país, que vinham para ajudar na derrubada das matas e na formação das pastagens. Deixavam suas famílias por lá e se aventuravam na busca de oportunidades ou da sobrevivência. Eram pessoas destemidas, que não tinham muita coisa a perder. Possuíam o hábito de portarem uma faca na cintura, a qual muito valorizavam. Eram as peixeiras, usadas na pesca marítima, onde o instrumento era imprescindível. Mas, aqui na região que não tinha mar nem tanto peixe, servia mais como objeto de defesa pessoal e de agressão nos conflitos. Como as desavenças eram inevitáveis, os moradores do lugar passaram a usar revólveres, para não serem surpreendidos. Infelizmente, muitos destes episódios terminaram em óbitos.

 Estas e muitas outras ocorrências, surgidas no árduo processo de desenvolvimento da região, contribuíram para a fama do município, principalmente pelos eventos desta natureza que por vezes ocorriam nas áreas de expansão de fronteira agrícola, coma as Sete Lagoas, que por isso tornou-se estigmatizada, como um lugar perigoso.

Sem dúvida, estes fatos são relembrados, pelos mais idosos, muitos dos quais viveram causas e consequências dos mesmos. Alguns casos se desenvolveram com contornos misteriosos e outros, com lances de muita coragem e astúcia, em situações típicas vividas pela população, naquelas difíceis épocas. 

Não há, portanto, como negar que os fatos vividos pelos habitantes de Quirinópolis, desde os tempos do desbravar da região, não tenham se constituído em fortes ingredientes da formação dos costumes e da cultura do lugar. A cidade dos valentões é coisa do passado, mas gostando ou não é difícil negar que ela um dia existiu.

                               Ângelo Rosa Ribeiro, quirinopolino e ex-professor universitário.


2 comentários:

  1. Me considero sendo uma dessas pessoas valentes! adorei o texto e vou seguir-lo !!Parabens

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  2. Que maximo em sr Angelo Rosa gostei do fato veridico e fez parte de minha familia tio Adolfho e demais abrs amiga Katia silva

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