sábado, 9 de janeiro de 2016

A lei de responsabilidade fiscal e a improbidade administrativa (1)

A Constituição Federal de 1988 teve por nota característica a valorização da cidadania, mediante a consagração de diversos direitos individuais e sociais, previsão de instrumentos para sua proteção, fórmulas de controle da administração pública, tornando explícito e cogente a exigência de respeito aos princípios da administração.

No que diz respeito ao objeto deste seminário, destacam-se dois estatutos legislativos: a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA) e Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF).

A primeira, LIA, foi editada em razão do comando inscrito no artigo 37, parágrafo quarto, da Constituição Federal, para descrever o que se entende por improbidade administrativa e fixar as sanções aplicáveis aos agentes públicos e terceiros a ele equiparados, no caso de infringência aos princípios que regem a administração pública. Tais princípios constam do "caput" do artigo 37 da Constituição Federal: princípio da legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A lei de improbidade administrativa teve o objetivo punir os maus administradores públicos, aqueles que se valem da coisa pública para proveito pessoal ou que na administração, não tenham o zelo que a comunidade tem o direito de esperar que exista.

A segunda, LRF,  foi editada em razão da determinação constante do artigo 163 da Carta Maior, visando em síntese, a responsabilidade na gestão fiscal. Diz o artigo 1. da lei que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe ação planejada e transparente para prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. Determina obediência a limites e condições no que tange a

1.– renúncia de receitas;


2.– geração de despesas em geral, com ênfase para despesas de pessoal e seguridade social;

3 .– dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, concessão de garantia e inscrição de restos a pagar.


Além disto, estipula medidas para transparência da gestão fiscal.

Em poucas palavras, com a LRF visou o legislador o atendimento do princípio do equilíbrio fiscal e, para tanto, estipulou limites, condutas necessárias e proibidas aos agentes públicos e sanções. O princípio do equilíbrio fiscal significa que todas as despesas fixadas devem estar cobertas pelas receitas previstas. Só se gasta aquilo que se arrecada.

Antes da LRF não havia sanção efetiva que coibisse a irresponsabilidade nos gastos. A ideia de cidadania surge ligada de forma umbilical à de controle dos gastos públicos, já que o resgate da autonomia financeira constitui fator imprescindível para criar condições de maior capacidade de implementar políticas públicas.

O Estado brasileiro, atualmente, já não consegue atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigidas, sobretudo na área fiscal. A LRF procura mudar este estado de coisas estabelecendo o que significa um "choque de moralidade" na gestão da coisa pública. Pergunta-se: para que um administrador deveria atentar para o equilíbrio orçamentário se tinha a ideia de que já havia recebido o caixa desequilibrado e tenha passado os dois primeiros anos para "arrumar a casa", tendo o direito de passar os dois últimos implantando seu programa de governo?

A LRF traz um novo padrão de conduta aos administradores públicos, pautados pelos fatores responsabilidade, transparência, eficiência e moralidade administrativa.

É importante saber, sempre, a que veio a lei, ou seja, que objetivo tem ela. Isto porque na interpretação de suas disposições, o objetivo querido pelo legislador constitui norte importante ao aplicador.

O elemento teleológico (relativo ao propósito, objetivo ou finalidade) é dos mais importantes na interpretação da norma, já que um novo texto de lei não constitui um bloco impermeável; deve ser trabalhado e vivido para progressivo entendimento e adaptação. CARLOS MAXIMILIANO , acerca do elemento teleológico que deve guiar o intérprete afirma que neste terreno consideram-se ainda de grande valia a jurisprudência, sobretudo a da Corte Suprema; os fatores sociais e a apreciação do resultado, assegurada ao último a preponderância" .

“Como apreciação de resultado compreende-se que deve ser preferida a interpretação conducente ao resultado mais razoável, ou seja, ao que melhor corresponda às necessidades da prática, e seja o mais humano, benigno e suave”.

"É antes de crer que o legislador haja querido exprimir o consequente e adequado à espécie do que o evidentemente injusto, descabido, inaplicável, sem efeito. Portanto, dentro da letra expressa, procure-se a interpretação que conduza à melhor consequência para a coletividade".  "Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese (análise, interpretação ou explicação detalhada e cuidadosa) da qual resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo."

Pelo elemento teleológico, vale a pena deixar assentado que "Toda prescrição legal tem provavelmente um escopo, e presume-se que a este pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito; quando assim não se procedia, construíam a obra do hermeneuta sobre a areia movediça do processo gramatical" . "O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida."

Leia os textos seguintes. Veja o blog.


(Exposição feita no Seminário "Lei de Responsabilidade Fiscal – Aspectos Civis e Criminais ", ocorrido em 26 de março de 2001,evento organizado e patrocinado pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo na sede do Ministério Público do Estado de São Paulo (Rua Riachuelo, 115 – 9º andar)


Autora: Evelise Pedroso Teixeira Prado
(Procuradora de Justiça e membro do Conselho Superior do Ministério Público)

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